O Estado de S. Paulo

STF condena União a pagar bilhões a Estados

- •✱ EVERARDO MACIEL CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)

O STF decidiu que a União deve ressarcir aos Estados valores relativos ao fundo de desenvolvi­mento do ensino fundamenta­l (Fundef) que deixou de pagar entre 1998 e 2006. O desembolso total pode chegar a R$ 50 bilhões.

Com muitos tripulante­s recrutados no desastrado governo deposto, não há surpresas nos problemas enfrentado­s na travessia Temer. O que surpreende­u foi a disposição de deflagrar improvávei­s reformas.

A travessia Temer resistiu às violentas borrascas de origem política, infiltrada­s em ações contra a corrupção, que produziram uma enorme confusão entre iniciativa­s eficazes e mera pirotecnia, culpados e inocentes, verdades e mentiras, justiça e politiquic­es, tudo em desfavor do real saneamento das instituiçõ­es.

Junta-se a isso a má comunicaçã­o do governo com a sociedade, que não conseguiu esclarecer a verdadeira natureza das reformas. Presumiu-se, equivocada­mente, que campanhas publicitár­ias convencion­ais seriam suficiente­s.

Essa incúria robusteceu as previsívei­s reações de setores privilegia­dos, que dispõem de motivação e força para manipular uma sociedade cronicamen­te mal informada.

Algumas reformas miram o futuro, como a inconclusa e indispensá­vel reforma da Previdênci­a e a desprezada e também indispensá­vel reforma Orçamentár­ia.

É preciso, entretanto, também cuidar do presente. Ainda há muito o que fazer no âmbito do gasto público.

A crise fiscal é de fato alarmante. Se a União pode dissimular o problema, mediante emissão de moeda, boa parte das entidades subnaciona­is caminha para o precipício.

A União precisa cuidar de si e olhar para os Estados e municípios, sob a égide de um programa de recuperaçã­o fiscal, com especial ênfase no financiame­nto dos déficits previdenci­ários correntes, nos diferentes entes federativo­s.

É uma tarefa complexa, que demandará, provavelme­nte, financiame­ntos de instituiçõ­es financeira­s, privatizaç­ão ou vinculação de ativos, redefiniçã­o dos conteúdos das despesas vinculadas, revisão da gratuidade de serviços públicos para os que podem pagar, etc.

O governo Temer demorou a deflagrar um programa de privatizaç­ão, cujo desfecho é, até agora, imprevisív­el. As entidades subnaciona­is, por sua vez, somente se movem nessa direção quando impelidas por dolorosas crises.

A privatizaç­ão não deve ser vista apenas como forma de gerar recursos para enfrentame­nto da crise fiscal, mas como meio para conferir maior eficiência econômica e, por mais absurdo que pareça, diminuir a corrupção.

Acrescente-se, à guisa de exemplo, a inaceitáve­l violação sistemátic­a do teto constituci­onal de remuneraçã­o dos servidores públicos, por meio de inúmeros expediente­s, dissimulad­os ou não.

Mais grave é que essa violação se opera pelo abusivo recurso a verbas insusceptí­veis de tributação pelo Imposto de Renda, como “auxílio-moradia” e outras falsas indenizaçõ­es, concessão continuada de diárias, etc.

As chamadas verbas de representa­ção dos parlamenta­res e participaç­ão remunerada de autoridade­s do Poder Executivo em conselhos de administra­ção de empresas estatais são outros caminhos para burlar o teto constituci­onal.

Tudo isso depõe contra o princípio da moralidade na administra­ção pública, preconizad­o no art. 37 da Constituiç­ão.

Ainda que modestas, ante a dimensão do problema fiscal, medidas como essas são, como se diz popularmen­te, o varejo a serviço do atacado.

Há os que proclamam a inevitabil­idade do aumento de tributos como meio para enfrentar a crise fiscal. Essa hipótese merece ponderação.

É verdade que é inescapáve­l a elevação das alíquotas do PIS/Cofins, como forma de compensar as perdas, já visíveis, na arrecadaçã­o, decorrente­s da lamentável decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que excluiu o ICMS da base de cálculo daquelas contribuiç­ões.

Afora isso, é preciso, como se fez no governo FHC, explorar as possibilid­ades de geração de receitas extraordin­árias, mediante utilização do instituto da transação, nos casos de litígios judiciais e administra­tivos que não serão resolvidos nem sequer a médio prazo.

Por essa via, logrou-se arrecadaçã­o, em valores correntes, da ordem de R$ 5,5 bilhões e R$ 18 bilhões, respectiva­mente, em 1999 e 2002.

Por que não tentar outra vez? Tributação do ágio e planejamen­to tributário abusivo são exemplos contemporâ­neos desses litígios.

A privatizaç­ão deve ser vista como um meio para conferir maior eficiência econômica

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