O Estado de S. Paulo

‘Fraterno amigo presidente’

- TWITTER: @ZEROTOLEDO BLOGS.ESTADAO.COM.BR/VOX-PUBLICA/ JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Como diriam na Bahia, é dinheiro pra Geddel. R$ 51 milhões equivalem a 102 Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) – agora rebaixado a “deputado da nécessaire”, pela comparação de sua humilde valise de R$ 500 mil com as malas e caixas milionária­s apreendida­s pela Polícia Federal num apartament­o em Salvador. A grana que, de tão volumosa, levou um dia para ser contada pertence ao primeiro ministro a ocupar a Secretaria de Governo de Temer, o ex-deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), diz a PF.

Geddel e Loures foram contemporâ­neos no Palácio do Planalto, mas com status distintos. O ex-ministro cultiva laços com Temer há mais de 20 anos, desde quando lideravam a bancada do PMDB na Câmara. Já Loures começou a secretaria­r Temer quando este era vice decorativo. Ressalvado que correlação não implica causalidad­e, a diferença na ordem de grandeza das apreensões é proporcion­al à longevidad­e das relações de cada um com o chefe.

E que grandeza: R$ 42.643.500,00 + US$ 2.688.000,00. Para se ter ideia do que é preciso para amealhar tantas notas quantas a polícia achou no "bunker do Geddel", o PCC precisa explodir 116 caixas eletrônico­s para chegar a esse montante – e apenas se todas as máquinas retiverem o máximo de R$ 440 mil que podem armazenar. Como se vê, roubar banco parece ser mais trabalhoso.

Como é possível arrumar tanto dinheiro vivo? Se não é fácil, é corriqueir­o. Só nos primeiros sete meses deste ano, o Coaf foi comunicado pelos bancos sobre 638 mil movimentaç­ões em espécie superiores a R$ 100 mil. Dá mais de 3 mil transações dessa monta por dia – somando mais de R$ 100 bilhões por ano. Quem fiscaliza tudo isso? Exato.

Foi exagero dos policiais chamar o apartament­o de “bunker”. É o oposto, tão desguarnec­idos estavam os R$ 51 milhões. Precursor de Maluf no governo paulista, Adhemar de Barros também guardava dinheiro em casa de terceiros, mas usava um cofre. As milhares de cédulas de R$ 100 e R$ 50 atribuídas a Geddel estavam metidas em sete caixas de papelão e oito malas sem rodinha. Evocam uma esteira de aeroporto do interior, não uma fortaleza.

Tanto descaso com dinheiro, mesmo que seja alheio, não combina com a descrição feita por Temer do seu então braço direito no governo. Em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador, em 2016, o presidente sintetizou assim sua relação com o subordinad­o no Planalto: “Me ajuda muito. Geddel – você o conhece aí da Bahia, não é? – faz um trabalho excepciona­l, é de uma velocidade de raciocínio, é de uma velocidade de ação que ajuda muitíssimo”. Dá para imaginar.

Menos de dois meses após a entrevista, o “trabalho excepciona­l” chegava ao fim. Acusado de pressionar o ministro da Cultura para aprovar um prédio – no qual tinha apartament­o em “andar alto” – em área tombada de Salvador, Geddel caiu. Endereçou o e-mail de demissão ao “meu fraterno amigo presidente Michel Temer”. A fraternida­de continuou.

Geddel foi preso há dois meses, acusado de pagar para que nem o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, nem seu operador financeiro, Lúcio Funaro, fizessem delação premiada. A delação de Funaro serve de base para um novo pedido de investigaç­ão de Temer.

O vídeo de um apressado Rocha Loures arrastando a mala com R$ 500 mil de propina não sensibiliz­ou 342 deputados a abrirem investigaç­ão contra o presidente. E 15 caixas e malas abarrotada­s de reais? Sensíveis que são a imagens de numerário, nem assim é provável que suficiente­s deputados mudem de opinião. Só lhes importa agora ir à revanche contra o acusador de Temer.

O jogo virou. Acusadores viraram acusados. Sorte de Geddel. Sorte de Temer. Se é que sorte tem a ver com isso.

Como é possível arrumar tanto dinheiro vivo? Se não é fácil, é corriqueir­o

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil