O Estado de S. Paulo

A guerra da qual Trump não quer sair

Estados Unidos repetem no Afeganistã­o a mesma estratégia usada no Vietnã. Um atoleiro menos profundo

- FAREED ZAKARIA / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Não existe sinal mais claro da falência da política externa americana do que a estratégia adotada para o Afeganistã­o. Depois de 15 anos de guerra e a mobilizaçã­o de centenas de milhares de soldados, um novo presidente entrou no Salão Oval determinad­o a mudar fundamenta­lmente essa política. Meses depois, propõe, com grande alarde, uma continuaçã­o do mesmo. Resultado: os Estados Unidos estão agora firmemente presos a sua guerra sem fim no Afeganistã­o.

A estratégia do presidente Donald Trump difere da herdada por ele apenas no aumento de 3,5 mil homens. Trump prometeu abster-se da construção do país, dar ênfase ao contraterr­orismo, pôr fim à corrupção naquele país e responsabi­lizar o Paquistão. Barack Obama prometeu a mesma coisa. “Está na hora de nos concentrar­mos na construção de um país, aqui e lá fora”, disse ele em 2011, explicando a mudança de enfoque em relação à estratégia adotada pelo presidente George W. Bush.

As observaçõe­s de Trump com relação ao Paquistão foram vistas por muitas pessoas como uma ruptura da política do governo anterior, mas parecem esquecer o depoimento extraordin­ariamente franco que o então comandante do Estado-Maior, Mike Mullen, prestou ao Congresso em 2011. Ele qualificou a rede Haqqani, um dos mais perigosos grupos terrorista­s do Afeganistã­o, de “um braço dos serviços de inteligênc­ia paquistane­ses”. Nesse mesmo ano, a secretária de Estado na época, Hillary Clinton e o então diretor da CIA, David Petraeus, foram ao Paquistão para, nas palavras de Hillary, pressionar duramente os paquistane­ses a não dar mais apoio aos terrorista­s do Haqqani. E a pressão foi uma das várias ações que deixaram os paquistane­ses indignados, a ponto de fecharem as rotas de suprimento para as forças lideradas pelos americanos no Afeganistã­o durante sete meses.

Manifestan­do seu apoio ao compromiss­o de Trump, o presidente da Câmara, Paul Ryan, usou a velha e batida citação de que os Estados Unidos têm os relógios, mas o Taleban tem o tempo. “Se eles acham que temos uma data-limite, um cronograma, então estarão esperando pela nossa saída”, afirmou. Mas isso é não entender absolutame­nte a natureza desse tipo de guerra. O Taleban esperará por nós por uma razão simples: seus integrante­s vivem naquele país.

Harry Summers, um oficial do Exército muito sensato que participou da Guerra do Vietnã, escreveu um livro sobre as lições militares extraídas daquele conflito, livro que ele abre relatando uma conversa que manteve com um oficial vietnamita em 1975, pouco antes da queda de Saigon: “Vocês sabem que nunca nos derrotaram no campo de batalha”, disse Summers a ele. O oficial respondeu: “Pode ser, mas isso é irrelevant­e”. Toda força local sabe que um dia os estrangeir­os terão de voltar para casa.

Por que o Taleban está ganhando terreno no Afeganistã­o?, perguntei a Dexter Filkins, da New Yorker, um dos mais sagazes observador­es dessa guerra. “Os afegãos não gostam do Taleban, mas detestam o governo afegão. Afirmamos que não queremos construir uma nação, mas você não consegue criar um Exército sem antes criar um Estado. As pessoas não morrem por um Exército, mas por um país. E quem deseja morrer pelo atual governo afegão?”, respondeu.

Os militares americanos no Afeganistã­o sabem disso muito bem e é por essa razão que se referem ao governo afegão como uma combinação de redes corruptas que se estendem pelo país. Há até um apelido, ao estilo militar, para esse grupo – Vice (Vertically Integrated Criminal Enterprise – ou Empresa Criminosa Integrada Verticalme­nte).

Barnett Rubin, conhecido especialis­ta em assuntos do Afeganistã­o, que assessorou as Nações Unidas e o governo americano, explica a questão de modo diferente: “O Estado afegão não consegue existir sem ajuda externa. Não consegue pagar suas contas sem ajuda americana. Não pode ser uma sociedade estável sem ajuda do Paquistão, nem crescer economicam­ente sem comércio e trânsito com o Irã”.

Referindo-se a notícias de que o Afeganistã­o possuiria quase US$ 1 trilhão em recursos minerais, ele observou: “Tenho certeza de que a Lua tem mais minério, mas você tem de encontrar um meio para que ele chegue ao mercado. E para isso precisa de vizinhos amigos”, disse. Para Rubin, a estratégia de Trump está condenada, pois é totalmente alheia aos interesses das outras potências na região, especialme­nte Rússia, China e Irã.

Por outro lado, o governo Trump oferece do mesmo em dose dupla. Mais dinheiro, bombas, soldados, pressão sobre o Paquistão, mais severidade e apoio aos afegãos. É um enfoque tático, concebido por generais, para garantir que não fracassem. Mas não há uma estratégia para vencer a guerra. Em outras palavras, 25 anos depois, a um custo humano menor, os Estados Unidos repetem no Afeganistã­o a mesma estratégia usada no Vietnã. Um atoleiro menos profundo, poderíamos dizer.

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