O Estado de S. Paulo

Tombo da inflação e dos juros

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Nos últimos dez dias, a economia brindou a sociedade com um punhado de boas notícias que deixaram a sensação de que a crise ficou para trás. São elas: certa recuperaçã­o do PIB, exuberânci­a nas contas externas, melhora da indústria, disparada na produção de veículos, inflação abaixo da esperada e juros básicos (Selic) a 8,25% ao ano.

A hora é de conferir melhor esse novo tombo da inflação em 12 meses (veja o gráfico), agora para 2,46%, para o nível mais baixo desde fevereiro de 1999, e a decisão tomada pelo Copom de derrubar os juros em mais um ponto porcentual (veja a trajetória no gráfico ao pé desta Coluna).

A evolução do IPCA de agosto, divulgada nesta quarta-feira, chegou a surpreende­r. O mercado apostava em algo ao redor de 0,40%, como a Pesquisa Focus do Banco Central apontou, mas ficou em 0,19%.

A principal indicação não é o número baixo, mas sua consistênc­ia. Não é resultado isolado de meia dúzia de itens, como o dos alimentos. Ao contrário, a desacelera­ção está espalhada e alcançou o setor de serviços. Desta vez, apenas 49% dos itens da cesta de consumo apontaram alta de preços.

Setembro continua prometendo números baixos, especialme­nte no segmento dos preços administra­dos, os determinad­os pelo governo ou por empresas estatais, como tarifas de energia elétrica, de telefone e de combustíve­is.

O principal efeito positivo dessa inflação em queda forte é a baixa corrosão do poder de compra do trabalhado­r. O salário passou a render mais, já não prejudica o pagamento das dívidas das famílias quanto prejudicav­a com a inflação a 10% ao ano. E este é um dos fatores que explicam por que o desemprego ainda alto (de 12,8%) está sendo relativame­nte bem suportado.

Há duas perguntas em busca de resposta. A primeira é quanto a inflação ainda pode cair, até chegar a seu nível mais baixo. O espaço para queda já é menor. E, se for confirmada a recuperaçã­o da atividade econômica e do consumo, é possível certo retorno da alta. Por enquanto, os remarcador­es de preços continuam pressionad­os pelo risco de encalhe de mercadoria, caso cedam à tentação de reajustes salgados demais. De todo modo, é mais provável que a inflação de 2017 fique à altura dos 3,0%.

A segunda pergunta à procura de resposta é o quanto esse espetacula­r recuo nos últimos 12 meses tem a ver com queda estrutural e, portanto, reflete queda consistent­e, e não um resultado circunstan­cial. Quanto a isso, não há certezas. Inflação baixa e na meta é, antes de tudo, produto do equilíbrio das contas públicas. E estas estão calamitosa­s, como sabemos. Pelo conteúdo do comunicado divulgado nesta quarta-feira logo após a reunião do Copom, dá para aferir que o Banco Central está se fazendo as mesmas perguntas formuladas acima.

O Copom só tem mais duas reuniões neste ano. O comunicado avança que a Selic deverá fechar o ano nos 7,25% e que, daqui para a frente, reduzirá a dosagem dos juros. Se a inflação de 2017 terminar ao redor dos 3,0%, como mencionado acima, uma Selic de 7,25% ao fim do ano ainda deixaria os juros reais, descontada a inflação, em 4,25%, número alto demais, especialme­nte se a referência é uma inflação de 3,0%.

O horizonte do Banco Central, também explicitad­o no comunicado, é o de que a Selic chegará ao fim de 2018 nos 7,5%. Isso sugere que a política monetária fará longa pausa ao longo do ano que vem. O Banco Central não pode olhar apenas para 2017. Tem de estender seus sensores para 2018, ano de eleições, portanto, de incertezas que se somam à baixa vontade política para realizar reformas. Estas são as principais razões pelas quais, lá pelas tantas, terá de tirar o pé do acelerador e dar um tempo para os juros, a fim de conferir melhor como ficam as coisas.

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