O Estado de S. Paulo

Dupla invencível

‘O Homem Que Buscava Sua Sombra’, o 5º volume de ‘Millenium’, saga que já vendeu 89 milhões de exemplares, chega às livrarias

- Maria Fernanda Rodrigues

David Lagercrant­z era autor de uma obra que incluía a bem-sucedida biografia do jogador de futebol Zlatan Ibrahimovi­c, outro par de biografias, um romance baseado na vida do matemático Alan Turing e uma ficção sobre um acidente no Monte Everest quando foi escolhido pelos herdeiros do sueco Stieg Larsson e por sua editora para continuar a saga best-seller Millenium.

Uma responsabi­lidade e tanto. Iniciada com Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, a trilogia foi um dos grandes fenômenos editoriais dos últimos tempos, com nada menos que 83 milhões de exemplares vendidos no mundo todo e uma série de autores e editoras tentando pegar carona em seu sucesso. Larsson morreu antes de ver os livros editados – era 2004 e ele, então com 50 anos, sofreu um enfarte.

A pressão foi enorme, o também sueco Lagercrant­z reconhece. “Eu sabia que, se o livro fosse ruim, eu seria apunhalado pelas costas pelos críticos e sentia que as pessoas esperavam mesmo por isso, o que me fez dar um duro maior para apresentar uma boa obra”, disse ao Estado. A Garota na Teia de Aranha, lançado em 2015, dividiu opiniões, mas a venda acumulada até agora, 6 milhões de exemplares, deixou o autor feliz e mais seguro para lançar o segundo. O Homem Que Buscava Sua Sombra chega hoje às livrarias de 25 países – do Brasil, inclusive. Nele, o leitor acompanha o mergulho de Lisbeth Salander para descobrir mais sobre seu passado e sobre um mistério que nem ela conhecia – e vai saber mais sobre sua tatuagem de dragão.

Quando o livro começa, a hacker protagonis­ta está presa. Evita conflitos, mas acaba ajudando uma indiana, que está sendo espancada, e chama a atenção – não para o bem, digase, de Benito, a “chefe da prisão” e uma das maiores criminosas do país. Ao mesmo tempo, recebe documentos que remontam aos abusos sofridos na infância. O jornalista Mikael Blomkvist vai ajudá-la em mais esta aventura que ganhará, claro, outras proporções e personagen­s.

Lagercrant­z conta que se divertiu mais escrevendo este segundo livro porque o primeiro tinha dado certo e porque já conhecia os personagen­s. “Lisbeth Salander corria por minhas veias. Stieg Larsson a inventou, mas sinto que ela é minha”, brinca. “Claro que o livro ainda tinha de estar no universo de Larsson, mas me atrevi a escrever o thriller que eu realmente queria escrever”, diz. E isso inclui menos violência. “Também entendi que eu precisava acrescenta­r coisas à história dele e responder a algumas perguntas como: por que ela tem essa tatuagem de dragão nas costas?”

O autor ficou obcecado por dragões. Viu uma estátua de São Jorge numa igreja e teve um estalo. “O dragão não tem que ser a fera. Ele pode ser o herói. E, num flash, eu descobri porque ela tinha aquela tatuagem. Foi um momento mágico.”

Interessad­o na origem da personagem, ele começou a cavar e a desenterra­r coisas sobre ela. “É como se ela estivesse numa sombra. Gosto da ideia de voltar no tempo, ao momento em que ela se torna Lisbeth, quando ela vê o pai estuprando e batendo na mãe dela e ninguém faz nada. Aos 10, 11 anos, ela percebe que ela é a única que pode fazer algo e isso a define, trazendo mais sombras”, comenta.

David Lagercrant­z era repórter policial e revela que a inspiração para essa história veio de seus tempos de redação, de um crime cujos desdobrame­ntos ele acompanhou e sobre o qual escreveu. Mas mais ele não conta para não estragar a surpresa. Sua experiênci­a como jornalista o ajudou nas pesquisas para o livro, ele diz. Mas mais do que isso. “Porque sou jornalista, isso me ajuda a entender jornalista­s e também as ameaças que eles estão sofrendo – notícias falsas, ameaças à liberdade de expressão, líderes antidemocr­áticos. Eu não poderia ter escrito esse livro se não fosse um jornalista.”

Aliás, o pai e o irmão de Stieg Larsson, os herdeiros oficiais, doam parte dos direitos deles para a Expo, uma fundação e revista cofundada por Larsson para combater o fascismo.

Lagercrant­z reconhece a iniciativa. “O bom jornalismo é, hoje, mais importante que em qualquer outra época. Agora sabemos, por exemplo, como países como a Rússia atuam e vemos o movimento antidemocr­ático se espalhando pelo mundo. Os ataques de hackers são feitos por países. Precisamos de um herói hacker, mas também precisamos de curiosos jornalista­s como Blomkvist.”

E assim voltamos à história. “Lisbeth é um novo tipo de heroína, uma heroína feminista, um caubói solitário lutando contra a repressão feminina. Aprendemos muito com sua força. E entendemos que por vezes algo que te destrói pode ser também o que te fortalece.”

Haverá mais um livro da Millenium e então o autor partirá para outra. Não descarta a hipótese de mais uma leva de thrillers com a famosa dupla, mas quer respirar novos ares antes. Para os leitores que quiserem ler algo diferente de Lagercrant­z, em outubro será lançado A Morte e a Vida de Alan Turing.

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JONATHAN NACKSTRAND/AFP O autor. Lagercrant­z segue, mais à vontade, os passos de Stieg Larsson
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Tradução:
Guilherme Braga Editora: Companhia das Letras (360 págs.; R$ 44,90) ??
O HOMEM QUE BUSCAVA SUA SOMBRA Autor: David Lagercrant­z Tradução: Guilherme Braga Editora: Companhia das Letras (360 págs.; R$ 44,90)

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