O Estado de S. Paulo

Homenagem a Cacá Diegues

Mostra traz 29 filmes do cineasta com 55 anos de carreira

- Luiz Carlos Merten

Aos 77 anos, Cacá Diegues admite seu desencanto. Pior – desânimo. “Tinha 13 anos quando Getúlio (Vargas) se suicidou e fiz meu batizado político, indo para as ruas. Desde então, tenho testemunha­do muitas crises que assolaram o Brasil, mas nenhuma como essa. Agente sempre acreditava em alguma coisa, agora não tem por quem torcer. Para mim, é a pior de todas as crises. Evamos ter eleição no ano que vem. Algo vai ter de acontecer para que a gente volte ater confiança .”

Cacá faz essa revelação, mas não pense que o tal desânimo o paralisa. Na segunda-feira, finalmente, ele terminou a mixagem do filme no qual vem trabalhand­o há anos – Grande Circo Místico. “Ainda dependo de ume feito especialqu­e está sendo feito na França, queéparc eirada produção. Vou receber na semana que vem e, se aprovar, o filme estará pronto. Aí serão detalhes de pós-produção, em outubro espero ter a cópia pronta.” Mesmo assim, o lançamento fica para o ano que vem. Março, por aí. Festivais internacio­nais? “Vou tentar, sim.” Mas não será preciso esperar tanto para (re)ver Cacá no cinema. A partir desta quinta de feriadão, 7, começa no Belas Artes uma retrospect­iva completa do diretor.

Cacá Diegues – Cineasta do Brasil. Uma homenagem a seus 55 anos de carreira. Todo Cacá, 29 títulos, começando com Ganga Zumba, o primeiro longa, de 1964. No primeiro dia, também passa o curta Escola de Samba Alegria de Viver, seu episódio de Cinco Vezes Favela – a versão de 1962 –, seguido de debate do diretor com a curadora Silvia Oroz. No sábado, 9, ela ministra a master class O Brasil através dos filmes de Cacá Diegues. Depois, até a quarta, 20, e sempre em duas sessões diárias – às 16h e 18h30 –, será exibida a integralid­ade da obra, incluindo raridades como Un Séjour e Nenhum Motivo Explica a Guerra, esse, sobre afroreggae, excepciona­lmente às 23h30 do dia 16. Cada espectador terá seu filme preferido do cineasta. Para o repórter pode ser Chuvas de Verão, de 1978. O próprio Cacá cultiva seus filmes consagrado­s pelo público, mas admite que guarda uma ternura especial por Joanna Francesa, de 1973, que nem fez tanto sucesso.

“Para mim é importante porque foi um filme de mudança. Nunca li isso nas análises que já foram feitas sobre meu cinema, mas em Joana Francesa tenho plena consciênci­a de que mudei minha maneira de filmar.” Mudar, como, Cacá? “Pertenço a uma geração muito crítica e ao mesmo tempo amorosa do Brasil. O que a gente queria era pensar esse país e colocar sua diversidad­e na tela. Queríamos refundar o Brasil com nossos filmes.” E Cacá diz – “Mesmo quando me voltei para o passado, não foi com nostalgia. Nunca fui fiel ao passado e também não tenho muito interesse em antecipar como poderá ser nosso futuro. O que sempre me interessou foi filmar o presente, e por isso admito que meu cinema mudou, como mudaram o Brasil e o mundo. O cinema, hoje, não é mais o mesmo de quando comecei. Tento ser coerente, mas meu cinema mudou na forma para poder refletir o que se passa na realidade.”

Parte da obra de Cacá – excertos, pelo menos – foi vista no documentár­io Pitanga, de Beto Brant e Camila Pitanga. Num determinad­o momento de sua vida, e carreira, o diretor fez do corpo em movimento do ator uma espécie de emblema. A negritude sempre se fez presente na obra de Cacá. O jovem Antonio Pitanga, belo como um deus, come com os olhos a mulher, vista daquela porta, em Ganga Zumba. Corre pela rua em A Grande Cidade. É o arauto do rei, de um novo tempo em Quando o Carnaval Chegar. Justamente o longa de 1972, com Nara Leão, então mulher do diretor, Maria Bethânia e Chico Buarque. “Alguns filmes foram restaurado­s e estão perfeitos. Ganga Zumba, A Grande Cidade, Xica da Silva, etc. Mas Quando o Carnaval Chegar está se acabando. Precisa de um restauro imediato.

Mesmo assim, a cópia na retrospect­iva é decente? “Decente, não diria, mas não dá vexame.” Ainda no quesito negritude, além dos filmes citados, vieram Xica da Silva e Orfeu, todos com trilhas magníficas. Cacá conhece muito a MPB. De onde vem isso? “Acho que, no fundo, sou um músico frustrado. Até tentei, mas não toco nada. Mas amo a música, e brasileira. Não vivo sem música, não consigo trabalhar. Então tenho de ter nos filmes.” Cacá comenta abaixo alguns de seus filmes. Joanna Francesa – entristece­u-o a morte recente de Jeanne Moreau. “Orson Welles tinha razão. Era a maior atriz do mundo.” O repórter comenta a cena emblemátic­a de Xica da Silva. “Zezé Motta correndo para a câmera com a carta de alforria na mão, ao som do tema de Jorge Benjor, e a porta da igreja que se fecha para ela.

“É o meu compromiss­o com o momento. Reflete o que a gente estava sentindo. Minha geração foi muito oprimida pela ditadura, mas chegou um momento em que a gente, mesmo sabendo que a ditadura não ia acabar logo, percebia o afrouxamen­to. E reaprendeu a rir.” Cada filme pertence a um momento, tem sua história. “Os Herdeiros filtra o Brasil pela ótica da Rádio Nacional. Bye Bye Brasil é sobre o advento da TV; um país arcaico se despede e outro, mais moderno, pede passagem.” A Grande Cidade é seu filme mais integrado ao Cinema Novo. “Está tudo ali. Luzia/Anecy Rocha vive o choque cultural do sertão que é devorado pela metrópole.” E Orfeu

– “Fiquei p... quando Marcel Ophuls filmou Orfeu do Carnaval.

Sempre sonhei com esse filme, em libertar Vinicius (de Morais)

do olhar estrangeir­o.” Haverá muito que ver nessas duas semanas. “O Cinema Novo trouxe o modernismo para o cinema, com seu interesse pela realidade e pela linguagem.” Modernismo, modernidad­e, transforma­ção. É o que a obra de Cacá Diegues celebra.

“Tenho uma ternura especial por ‘Joanna Francesa’, de 1973. Com ele, mudei minha maneira de filmar”

 ?? SERJÃO CARVALHO/ESTADÃO ?? Cacá. ‘Meu cinema mudou na forma para poder refletir o que se passa na realidade’
SERJÃO CARVALHO/ESTADÃO Cacá. ‘Meu cinema mudou na forma para poder refletir o que se passa na realidade’
 ??  ?? NA WEB Portal. Assista à entrevista do diretor
estadao.com.br/e/cacadiegue­s
NA WEB Portal. Assista à entrevista do diretor estadao.com.br/e/cacadiegue­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil