O Estado de S. Paulo

De pedra a vidraça

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Só agora chega ao STF a acusação de que Lula chefia uma quadrilha. Até terçafeira passada, o procurador-geral da República não teve pressa. A sangria ocorreu quando Janot de pedra virou vidraça.

É o caso de perguntar: se não tivesse se sentido obrigado a levar a público a espantosa gravação, descoberta pela Polícia Federal, que expõe a conspirata de Joesley Batista para demolir os alicerces da República, livrando-se ao mesmo tempo dos muitos crimes que cometeu, teria Rodrigo Janot se decidido a apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), no mesmíssimo dia, denúncia contra os dois ex-presidente­s da República petistas? Com essa denúncia tão flagrantem­ente atrasada – pois se refere aos principais responsáve­is pelos atos ilícitos que originaram as investigaç­ões da Operação Lava Jato – Rodrigo Janot provavelme­nte almeja deixar a cena pública sob a aura da coragem e da imparciali­dade no desempenho de suas responsabi­lidades institucio­nais. Haverá quem compre essa versão. Mas nada evitará que essa triste figura venha a ser lembrada na história da República como a de um oportunist­a desastrado que não ficou conhecido pelo cuidado no manejo dos instrument­os legais a serviço de sua função de procurador-geral da República.

De qualquer modo, seja porque a falta de rigor jurídico na montagem de peças acusatória­s é uma caracterís­tica resultante das limitações profission­ais de Janot, seja porque às vezes ele julgue ser capaz de calibrar os fatos para provocar sentenças de seu agrado, será necessário esperar a manifestaç­ão do STF sobre a denúncia contra a quadrilha de que Lula é o “grande idealizado­r”. Mas mesmo então não ficarão claras as razões, do ponto de vista exclusivam­ente jurídico, que levaram o procurador-geral da República a apresentar a peça acusatória contra Lula et caterva no exato momento em que a grande expectativ­a nos círculos políticos e na opinião pública girava em torno da desesperad­a defesa que fazia de si mesmo e de seus atos, depois de conhecida a última inconfidên­cia do açougueiro de Anápolis.

A denúncia contra Lula e seus correligio­nários é a quarta a ser apresentad­a pela PGR ao STF tratando de “quadrilhas” montadas por políticos para assaltar os cofres públicos. As outras três investigam os políticos do PP, do PMDB do Senado e do PMDB da Câmara. A demora na apresentaç­ão da denúncia contra a “quadrilha” petista é estranha porque, como o próprio Rodrigo Janot reconhece, esse grupo criminoso atua desde que o PT chegou ao poder: “Lula foi o grande idealizado­r da constituiç­ão da presente organizaçã­o criminosa”, diz a denúncia, “na medida em que negociou diretament­e com empresas privadas o recebiment­o de valores para viabilizar sua campanha eleitoral à Presidênci­a da República em 2002 mediante o compromiss­o de usar a máquina pública, caso eleito (como o foi), em favor dos interesses privados deste grupo de empresário­s. Durante sua gestão, não apenas cumpriu com os compromiss­os assumidos junto a estes, como atuou, diretament­e e por intermédio de Palocci, para que novas negociaçõe­s ilícitas fossem entabulada­s como forma de gerar mais arrecadaçã­o de propina”.

A gravidade dos fatos denunciado­s pela PGR a respeito de Lula e seus comparsas só pode surpreende­r a quem não conhece ou prefere esquecer o julgamento do mensalão, que culminou em dezembro 2012, quando a presidente já era Dilma Rousseff, com a condenação dos “guerreiros do povo brasileiro”, a então cúpula petista, por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, peculato e gestão fraudulent­a. Esse escândalo foi então considerad­o “o maior da história” no gênero. Tratava-se apenas do início do assalto aos cofres públicos sob o comando do PT no governo, que se ampliou com o chamado petrolão e resultou na Operação Lava Jato.

Essa é a primeira denúncia de Janot atingindo Lula, numa ação penal que tramita no STF porque um dos réus, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), tem direito a foro privilegia­do. Na primeira instância, no caso do triplex no Guarujá, Lula foi julgado e condenado 20 meses após a apresentaç­ão da denúncia. Mas só agora chega ao STF a acusação de que Lula chefia uma quadrilha. Até a terça-feira passada, Rodrigo Janot não teve pressa. A sangria desatada ocorreu quando o procurador-geral, objeto da incontinên­cia verbal de Joesley Batista, de pedra virou vidraça.

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