O Estado de S. Paulo

Palocci percebeu que proteger Lula não resultaria em gratidão.

- João Domingos

Odepoiment­o do ex-ministro Antonio Palocci ao juiz Sérgio Moro arruinou o PT. Muito mais do que os petistas admitem. Não só porque teve Lula como alvo principal, e a presidente cassada Dilma Rousseff como alvo secundário. Mas também porque ofereceu informaçõe­s que podem servir para o juízo de culpabilid­ade do ex-presidente quando o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) julgar o recurso de Lula contra a pena de nove anos e seis meses a que foi condenado pelo juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. Confirmada a pena, Lula vira ficha-suja e fica impedido de concorrer à Presidênci­a da República no ano que vem.

Por causa do depoimento, que alguns mais íntimos de Palocci dizem se tratar também de um desabafo, o exministro pode ter mudado o curso das eleições presidenci­ais do ano que vem. Tanto na parte jurídica, por compromete­r Lula com o esquema de corrupção na Petrobrás e revelar relações promíscuas com empreiteir­as, quanto na política, porque o que ele disse aparecerá na campanha caso o ex-presidente passe ileso pelo TRF. Logo Palocci, que foi um dos principais responsáve­is pela vitória de Lula em 2002, ao defender a “Carta aos Brasileiro­s”, na qual o PT se compromete­u a não se meter em aventuras econômicas.

Além de arrasados e perplexos, os petistas perguntam o que teria levado Palocci a contar ao juiz Moro até mais do que lhe foi perguntado sobre Lula e a enfiar Dilma em respostas que aparenteme­nte não diziam respeito a ela. E mais: observe-se no depoimento-desabafo que Palocci se apresenta como um executor das ordens de Lula. Recebia um comunicado sobre o que Lula tinha feito e operava o feito dele. Recebia outra ordem, procurava Lula e dizia que tinha se sentado com fulano e resolvido tal assunto. Em resumo, é como se Palocci tivesse dito a Moro: “Posso ser acusado de ser o operador, não o autor”.

É claro que essa situação, péssima para o PT e para Lula, gerou um grande debate entre os pensadores petistas e entre integrante­s de correntes adversária­s. A ala stalinista tem aproveitad­o o momento para bater forte na ala trotskista, da qual se originou Palocci, lembrando-a de que o também ex-ministro José Dirceu (stalinista) passou anos na cadeia, sofreu todo tipo de pressão e jamais abriu a boca. O ex-tesoureiro João Vaccari também é lembrado como alguém que não baixa a cabeça. Outra ala, a dos amigos de Dilma Rousseff, acusa Palocci de ter se transforma­do num “cachorro”, o nome que se dava a militantes de esquerda que, presos pelos órgãos de repressão da ditadura militar, delatavam companheir­os depois das sessões de tortura a que eram submetidos. Dilma costuma se gabar de que ficou presa durante quase três anos, foi submetida à mais horrenda tortura e nunca delatou alguém.

Embaçada no tempo, e desconheci­da de quem não é do meio, a briga entre stalinista­s e trotskista­s jamais vai parar. Há quase um século cada lado acusa o outro das maiores barbaridad­es.

Uma questão, no entanto, é preciso ser levantada nesse debate. Palocci está preso e condenado a doze anos, dois meses e vinte dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Não é um preso político, não está sendo torturado para fazer revelações que envolvam companheir­os de armas e de revolução nem fala em nome de Trotski.

Quem conhece Palocci até arrisca um palpite sobre o comportame­nto dele: a convivênci­a na prisão com o empresário Marcelo Odebrecht o teria convencido de que proteger Lula não vai resultar, no futuro, nem num gesto de gratidão por parte do ex-presidente. Melhor tentar sair agora, falando o que sabe.

No depoimento, Palocci tentou passar a Moro mensagem de que cumpria tarefas

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