O Estado de S. Paulo

A capital da energia solar

Primeiro parque solar do País tem capacidade para abastecer 166 mil domicílios

- Renée Pereira / TEXTOS Daniel Teixeira / FOTO ENVIADOS ESPECIAIS BOM JESUS DA LAPA (BA)

Às margens do Rio São Francisco, Bom Jesus da Lapa, na Bahia, abriga a primeira grande usina solar do País. Ali são produzidos 158 megawatts com o calor do sol, o suficiente para abastecer uma cidade de 166 mil casas.

Osol forte que sempre castigou o sertanejo agora é cobiçado por investidor­es bilionário­s que começam a mudar a cara do semiárido baiano. O movimento transformo­u a pequena Bom Jesus da Lapa, até então conhecida pelo turismo religioso e suas grandes romarias, na capital da energia solar. A cidade, de 63 mil habitantes, localizada à beira do Rio São Francisco, abriga hoje a primeira grande usina solar do Brasil.

Ali, onde o sol nasce antes de o relógio marcar seis horas da manhã e a temperatur­a quase sempre beira os 35 graus, já estão sendo produzidos 158 megawatts (MW) com o calor do sol. É energia suficiente para abastecer uma cidade de 166 mil residência­s – Bom Jesus da Lapa, por exemplo, tem 16 mil domicílios. Mais importante que isso, no entanto, é que o projeto representa o primeiro passo para o desenvolvi­mento de uma indústria bilionária que não para de crescer no mundo – no ano passado, avançou 50%.

Só em Bom Jesus da Lapa, a italiana Enel Green Power, dona do empreendim­ento, investiu US$ 175 milhões, algo em torno de R$ 542 milhões. Em pouco mais de um ano, 500 mil painéis solares passaram a cobrir uma área de 330 hectares, o equivalent­e a 462 campos de futebol. Nesse período, a cidade sertaneja, acostumada com o vaivém dos fiéis e com cifras bem mais modestas, passou a conviver com uma mistura de idiomas.

Como a cadeia de produção no Brasil ainda é incipiente, os equipament­os para montar o parque solar vieram de várias partes do mundo. Os painéis que captam o calor do sol foram fabricados na China; os conversore­s para transforma­r a energia solar na eletricida­de que chega à casa dos consumidor­es vieram da Itália; e a montagem da estrutura que permite a movimentaç­ão dos painéis na direção do sol foi feita por espanhóis.

No auge da obra, foram contratado­s mais de mil trabalhado­res para o empreendim­ento. Por estar ao lado da cidade, não houve necessidad­e de construir alojamento­s, como ocorre em grandes projetos. Além disso, a estrutura de hotéis existente para os fiéis que visitam o santuário de Bom Jesus da Lapa ajudou muito na acomodação dos operários. Ainda assim, novos hotéis e restaurant­es foram inaugurado­s para atender à demanda, que deverá continuar firme por mais algum tempo.

Desenvolvi­mento. O prefeito do município, Eures Ribeiro (PSD), comemora a descoberta da região pelos grandes investidor­es. Até a chegada do parque da Enel, a economia local era baseada na produção de banana – o município é o maior produtor da fruta no Brasil – e no comércio voltado ao fiéis. O entorno da gruta que abriga o santuário da cidade e atrai milhares de romeiros é lotado de hotéis, lojas e barracas de lembrancin­has, como chaveiros, camisetas e outros objetos.

A economia local, no entanto, não é suficiente para absorver a mão de obra da cidade. Quase dois terços dos moradores têm idade entre 15 e 59 anos e sofrem com o desemprego e a falta de qualificaç­ão. Esse foi um dos temas trabalhado­s com a Enel como compensaçã­o social pelo empreendim­ento. As comunidade­s quilombola­s que ficam próximas do projeto foram beneficiad­as com cursos de pedreiro, eletricist­a e corte e costura. “Também reivindica­mos a construção de uma sede para a comunidade”, afirma Amilton Vitorino Gonzaga, da comunidade AraçáVolta, onde há 240 residência­s.

Quase todos da comunidade vivem do Bolsa Família e da agricultur­a de subsistênc­ia. Mas, por causa da falta de chuva, as plantações nem sempre sobrevivem. “O sol sempre foi sinônimo de pobreza, que afastava a população da cidade para os grandes centros. Hoje é sinônimo de riqueza e de desenvolvi­mento”, afirma o prefeito da cidade.

Pelas contas dele, há cerca de dez empresas com projetos na cidade para começar logo. “Nossa expectativ­a é que a arrecadaçã­o de ICMS (por causa da venda de energia) aumente 300% em cinco anos.” Além da insolação, a atração dos investidor­es também tem contado com um incentivo da prefeitura, que reduziu o Imposto sobre Serviços (ISS) do projeto.

O presidente da Enel no Brasil, Carlo Zorzoli, diz que a vantagem do sertão nordestino, além do sol forte, é a abundância de terras que não competem com o agronegóci­o. Além do parque de Bom Jesus da Lapa, a empresa detém outros três projetos na região: Ituverava (254 MW) e Horizonte (103 MW), na Bahia, e Nova Olinda (292 MW), no Piauí. Os três entram em operação até o fim deste ano, colocando a empresa na liderança da produção solar no País, com 807 MW instalados.

“Aqui tem espaço de sobra sem precisar desmatar para construir as usinas”, diz o executivo. Mas, apesar de área disponível, a construção dos parques já começa a inflaciona­r o preço da terra na região. Em Bom Jesus da Lapa, o valor de um hectare de terra saiu de R$ 2 mil para R$ 20 mil, diz o prefeito da cidade. Por isso, as empresas têm procurado arrendar as áreas para os projetos, em vez de comprar. A medida traz renda fixa para os proprietár­ios durante, pelo menos, 20 anos.

Desenvolvi­mento

“O sol sempre foi sinônimo de pobreza, que afastava a população da cidade para os grandes centros. Hoje, é sinônimo de riqueza.”

Eures Ribeiro

PREFEITO DE BOM JESUS DA LAPA

 ?? DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO ??
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO
 ??  ??
 ??  ?? Investimen­to. Parque recebeu aporte de US$ 175 milhões
Investimen­to. Parque recebeu aporte de US$ 175 milhões

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil