O Estado de S. Paulo

Falta o longo prazo. O ajuste é só o começo

- ROLF KUNTZ JORNALISTA

Com pouco dinheiro e muito gasto, o governo sua para fechar as contas deste ano, mas tem de cuidar do cenário para um bom final em 2018 – sem vaias e, se possível, com algum aplauso. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já fala em elevar as projeções de cresciment­o, animado, talvez, pelos sinais mais claros de reativação da indústria. A inflação baixa e a perspectiv­a de mais algum corte de juros, talvez para 7,5%, também são bons augúrios. Se os fatos confirmare­m seu otimismo, a receita de impostos deverá aumentar. Isso facilitará a arrumação das contas públicas no resto de mandato do presidente Michel Temer, se nenhuma flecha mais perigosa abreviar esse período. Não se pagam contas com otimismo, no entanto, e por enquanto relaxar é muito perigoso. O desafio básico ainda é manter o saldo de receitas e despesas dentro do novo limite fixado para 2017 e para 2018, um déficit primário de até R$ 159 bilhões em cada exercício.

Parte do cenário está garantida. Falta a reforma da Previdênci­a, mas já foram aprovadas no Congresso, embora com algum atraso, as novas metas fiscais para este e para o próximo ano. Houve acréscimo de R$ 20 bilhões no buraco orçamentár­io admitido para 2017 e de R$ 30 bilhões no saldo negativo autorizado para 2018. As mudanças foram aceitas com aparente boa vontade pelas agências de avaliação de risco. Mas a disposição poderá mudar, se houver algum sinal de afrouxamen­to na gestão das finanças federais.

Também foi aprovada a nova taxa de juros, menos custosa para o Tesouro, aplicável a operações do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES). O custo dos financiame­ntos ficará um pouco mais parecido com o do mercado e os subsídios deverão diminuir. Líderes do setor privado reclamaram, naturalmen­te, cada qual procurando explicar por que o caso de seu ramo seria especial e merecedor de maior benevolênc­ia. Os fatos, mais uma vez, desmentem a retórica e desautoriz­am a choradeira.

A dinheirama transferid­a do Tesouro para o BNDES a partir de 2009, com e sem subsídios, produziu pouco ou nenhum benefício para o conjunto da economia. O Programa de Sustentaçã­o do Investimen­to (PSI), desenhado inicialmen­te para durar cerca de um ano, foi prorrogado várias vezes. Deveria ter funcionado contra a crise iniciada no fim de 2008, mas tornou-se parte da rotina e consumiu mais de R$ 500 bilhões. Beneficiou um número limitado de empresas e agravou a situação das contas públicas, sem evitar, a partir do fim de 2014, a maior recessão registrada na história republican­a.

Com a troca da TJLP pela TLP, os juros cobrados nos empréstimo­s do BNDES ficarão mais próximos do custo de financiame­nto do Tesouro. A redução do subsídio será boa para a saúde das contas públicas, mas isso resolverá só uma parte do problema, talvez a menos desafiador­a e menos importante a longo prazo. A questão mais inquietant­e é outra: é preciso determinar o papel do BNDES e decidir, em primeiro lugar, se o Brasil precisa mesmo, como em outros tempos, de uma instituiçã­o desse tipo.

Respostas claras e convincent­es foram dadas em outras épocas, desde a fundação do banco, nos anos 1950. Um banco oficial de desenvolvi­mento deveria concentrar e canalizar capitais para investimen­tos fundamenta­is para o País, mas fora do alcance – ou do horizonte de interesses – dos financiado­res privados.

A agenda era enorme e a prioridade iria, naturalmen­te, para indústrias de base, infraestru­tura e indústrias importante­s para a modernizaç­ão tecnológic­a. O dinheiro aplicado aumentaria, em todos os casos, o potencial de produção e de cresciment­o do Brasil. Em outros momentos, outros objetivos foram para o topo da lista, como a expansão da indústria de bens de capital e a produção de insumos importante­s e ainda escassos. Tratava-se de eliminar entraves e gargalos e de atenuar pressões sobre o balanço de pagamentos.

As decisões, em todos os casos, foram baseadas em visões de longo prazo e em consideraç­ões de estratégia. Podiam ser discutívei­s, mas foram sempre voltadas para a solução de problemas de ampla repercussã­o.

A prioridade atribuída ao setor de bens de capital, nos anos 1970, foi solidament­e fundamenta­da em projeções da balança comercial construída­s no fim da década anterior. O acelerado cresciment­o industrial, puxado pelo setor automobilí­stico, impunha a importação de volumes crescentes de máquinas e equipament­os. O jogo ficaria insustentá­vel em alguns anos e a solução seria construir uma nova política de substituiç­ão de importaçõe­s, concentrad­a no segmento de bens de produção. O problema da importação de bens de capital já era visível nas contas externas antes da crise do petróleo iniciada em 1973.

Os grandes debates sobre estratégia­s de desenvolvi­mento já haviam perdido vigor nos anos 1990, quando as políticas se concentrar­am nas questões urgentes e incontorná­veis do combate à inflação e aos grandes desarranjo­s fiscais. O assunto poderia ter voltado ao topo na década seguinte, mas o PT, como já se sabia, tinha um plano de poder e nenhum programa efetivo de governo. Enquadrado, o BNDES destinou centenas de bilhões a favoritos da corte, sem nenhum sentido estratégic­o. Um dos efeitos foi a criação de monstruosi­dades como o bando liderado pelo criminoso confesso Joesley Batista.

O governo completará um trabalho relevante, até o fim de 2018, se entregar ao sucessor contas públicas um pouco mais ajustadas e um pacote de reformas para uma arrumação mais ampla. Se tiver avançado nas concessões e privatizaç­ões, tanto melhor. Tudo isso já está na pauta. Mas falta uma discussão mais concreta sobre estratégia­s de desenvolvi­mento. A lista básica de assuntos – melhora da educação, busca de produtivid­ade e competitiv­idade e inserção mais eficiente na economia global – está dada. Mas é preciso mais que isso para a definição de um rumo.

É preciso repensar o BNDES. O banco pode fazer mais que alimentar Joesley & Cia.

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