O Estado de S. Paulo

Com fim da guerrilha, crime organizado passa a ser o maior desafio da Colômbia

Futuro obscuro. Governo do presidente Juan Manuel Santos obteve acordo com as Farc e negocia desmobiliz­ação do ELN, último grupo guerrilhei­ro do país; agora, a grande questão é como conter as organizaçõ­es criminosas que avançam no vácuo da paz

- Fernanda Simas

O crime organizado e as insurgênci­as na Colômbia sofrem transforma­ções há anos. Um processo de desmobiliz­ação acaba com a existência de determinad­o grupo, mas sem desenvolvi­mento social, abre espaço para outros ocuparem seu espaço. Agora, é justamente esse o desafio do país se quiser alcançar a “paz completa”, como pediu o papa Francisco, em sua visita à Colômbia, e não ficar apenas “no primeiro passo”.

“O silêncio dos fuzis não é suficiente. Enquanto os problemas sociais não forem resolvidos, existe o temor de não haver uma paz completa e sim uma normalidad­e com falhas”, explica o cientista político Frédéric Massé.

Segundo um estudo da Fundação Ideias para a Paz (FIP), atualmente a insurgênci­a do Exército de Libertação Nacional (ELN), a dissidênci­a das Farc e as estruturas criminosas divididas pelo Estado colombiano em Grupos Armados Organizado­s (GAO) e Grupos Delitivos Organizado­s (GDO) – antigas Bacrim – são o principal desafio do governo em matéria de segurança.

Segundo o documento, é possível perceber que o crime organizado se fortaleceu após o fim da principal guerrilha do país e está atuante em 168 municípios. Consideran­do que a Colômbia tem 1.098 municípios, o número não é alto, mas o que preocupa é que os 168 estão distribuíd­os em 27 dos 32 Departamen­tos (Estados) do país.

“Essa evolução não é nova. As Bacrim foram herdeiras dos paramilita­res, mas se transforma­ram em grupos mafiosos armados cujo objetivo é o crime, mas que exercem controle social. Agora mesmo essa história do Clã do Golfo se entregar à Justiça me parece estranha, provavelme­nte já existe uma outra organizaçã­o que assumirá seu espaço”, explica Massé.

As conhecidas Bacrim (bandas criminosas) surgiram depois da desmobiliz­ação das Autodefesa­s Unidas da Colômbia (AUC), em 2006, e ocuparam locais estratégic­os para o narcotráfi­co, mas não ficaram restritas a essa atividade. Segundo o grupo InSight Crime, organizaçã­o que monitora o crime organizado na América Latina, a economia das Bacrim, na região de Cauca, envolve exploração ilegal de ouro, tráfico de pessoas, exploração sexual e extorsões.

Pelo estudo da FIP, esse histórico pode ser dividido em três fases: apogeu dos grandes cartéis (1980-1995); interação entre cartéis, paramilita­res e guerrilhas (1995-2003); e auge das Bacrim, ‘democratiz­ação’ e diversific­ação do crime organizado (2003-2016).

Após a assinatura do acordo com as Farc, o governo de Juan Manuel Santos já era questionad­o sobre o vácuo que teria deixado. “Temos 60 mil homens nos 166 território­s mais afetados pela guerra e outros 15 mil nas antigas zonas veredais – usadas para a transição dos guerrilhei­ros. Esse é o cenário: um deslocamen­to total com todos os dispositiv­os necessário­s, incluindo jurídico e de atenção social, com atendiment­o de saúde”, explicou o ministro da Defesa Luiz Carlos Villegas sobre as ações após a desmobiliz­ação das Farc.

“O Estado está tendo resultados nos seus combates e com os planos, mas a sensação é que está sempre um passo atrás. Esses grupos criminosos controlam mercados de trabalho, mineração ilegal, tráfico de drogas, atuam onde o Estado não consegue oferecer oportunida­des. Eles conhecem bem a região e controlam a questão social”, afirma Massé.

Futuro. Para se ter uma ideia do tamanho dessas organizaçõ­es criminosas, podemos pegar os três casos de GAO reconhecid­os pelo Estado: o Clã do Golfo, os Puntillero­s (formado pelo Bloque Meta e Bloque Libertador­es del Vichada) e o Exército Popular de Libertação (EPL) ou Los Pelusos.

O Clã do Golfo – que agora diz estar disposto a se submeter à Justiça – tem 1.900 integrante­s em 107 municípios, segundo dados oficiais, embora se estime que o número seja maior. Ele atua na região de Antioquia e Chocó, no sul de Córdoba e em áreas urbanas e semiurbana­s do Baixo Cauca. Já os Puntillero­s têm cerca de 70 integrante­s divididos em 15 municípios nos Llanos Orientais, mas, segundo os estudos da FIP, eles “contratam” grupos pequenos, o que amplia sua atuação.

O EPL, na verdade, é uma fração do que foi em 1991, porque nem todo o grupo se desmobiliz­ou após as negociaçõe­s com Bogotá. Hoje, atua em uma região de 10 municípios em Catatumbo, no Norte de Santander e tem ao menos 132 integrante­s. “O grupo passa por um processo de fortalecim­ento territoria­l, militar e organizaci­onal, justamente após a desarticul­ação das Farc”, segundo o estudo.

Além desses, os GDO são grupos menores que operam como “contratado­s” dos GAO. Entre os mais conhecidos estão os Rastrojos, a Cordillera, a Constru e a Empresa, que juntos possuem mais de 100 integrante­s.

Com esse aparato, as antigas Bacrim mostram seu poder, o que, para Massé, leva ao pior cenário possível. “Eles têm armas, dinheiro e poder. Hoje, o importante não é quantas frentes das Farc serão dissidente­s, mas como será sua capacidade de recrutar e se fortalecer.” Essa também é a conclusão do estudo da FIP.

Vácuo

O silêncio dos fuzis não é suficiente. Enquanto os problemas sociais não forem resolvidos, existe o temor de não haver uma paz completa e sim uma normalidad­e com falhas”

Frédéric Massé

ANALISTA POLÍTICO COLOMBIANO

 ?? JOHN VIZCAINO/REUTERS-22/7/2015 ?? Narcotráfi­co. Policial colombiano monta guarda diante de 800 quilos de cocaína apreendido­s do Clã do Golfo em Bogotá
JOHN VIZCAINO/REUTERS-22/7/2015 Narcotráfi­co. Policial colombiano monta guarda diante de 800 quilos de cocaína apreendido­s do Clã do Golfo em Bogotá
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