O Estado de S. Paulo

‘Thelma & Louise’ criou boas expectativ­as

Pesquisas mostram que mercado não abriu caminho para as mulheres

- TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO Jocelyn Noveck

Quando Geena Davis e Susan Sarandon se deram as mãos, pisaram no acelerador e lançaram seu carro no despenhade­iro, no memorável final do filme Thelma & Louise, muita gente em Hollywood achou que elas estavam lançando mais do que aquele Thunderbir­d turquesa. O ano era 1991 e a expectativ­a – ou pelo menos a esperança – era de que inaugurava­m uma nova era para as mulheres no cinema, em que seria mais fácil para elas assumirem papéis principais e cineastas femininas teriam mais facilidade para conseguir trabalho.

O que não aconteceu, diz a Geena Davis, a Thelma do filme. “Não mudou nada”, diz ela, que nos 25 anos que seguiram tornou-se defensora da diversidad­e em Hollywood, especialme­nte na luta pela representa­ção de gênero nos filmes feitos para crianças. “Nunca tivemos algum movimento de avanço”. Na verdade, diz ela, as coisas não melhoraram desde a década de 1940. “Nossa pesquisa mostra que a proporção de personagen­s masculinos em relação aos femininos no cinema não mudou desde 1946”, diz Geena referindo-se aos estudos feitos pelo grupo de pesquisa sem fins lucrativos que fundou, o Geena Davis Institute on Gender in Media.

Mas e quanto à Mulher Maravilha, um enorme sucesso que quebrou o teto de vidro e transformo­u Gal Gadot em uma superestre­la, e chamou a atenção global por ser um filme de ação dirigido por uma mulher? Geena não está confiante. “Veja, tivemos Jogos Vorazes, Frozen e até Guerra nas Estrelas com uma mulher no papel principal. E agora a Mulher Maravilha. Você imaginaria que vencemos. Mas temos de aguardar os dados. Thelma & Louise foi lançado há 25 anos e nada mudou. Sei que um dia a situação vai mudar, mas afirmar que este é o momento, bem, você vai ter de provar para mim.”

Também cética se mostra a roteirista Callie Khouri. Sua história da aventura fatal, em uma viagem do Arkansas ao Grand Canyon, de Thelma, tímida dona de casa, com um marido chauvinist­a, e Louise, a garçonete experiente que guarda um segredo atroz, marcou sua estreia como roteirista. E ela conquistou o Oscar de roteiro original, prêmio nunca dado a uma mulher em 60 anos.

Foi um momento decisivo para as mulheres? “Que não aconteceu”, diz Callie, com amargura. “Ainda estou aguardando. O sucesso de Mulher Maravilha soa como uma minúscula rachadura nesse teto de vidro. É um tanto assustador ver como as coisas mudam tão lentamente, já estou cansada disto. Por que as coisas não mudaram para as mulheres? Não nos pergunte”

Vinte e dois anos depois de Thelma & Louise aparecer na capa da Time, devido à discussão sobre gênero que o filme gerou – era feminista ou fascista, inspirador ou escandalos­o? “Este filme ainda repercute e de modo surpreende­nte”, diz Becky Aikman, autora do livro Off the Cliff, que conta a história dos bastidores de uma produção que enfrentou todas as adversidad­es até para ser levada adiante. “Mas claramente foi um filme que saiu do padrão e não um ponto de partida”, diz. “Muitas pessoas pensavam que, com o grande sucesso de Thelma & Louise, teríamos mais filmes nessa linha. Mas ninguém produziu algo similar, o que é muito frustrante, e mostra como é refratário o ponto de vista de Hollywood, no sentido de que um filme de enorme sucesso não faz com que as pessoas em posições de poder queiram produzir algo similar.”

A luta das mulheres em Hollywood, na tela e por trás das câmeras, tem sido objeto de inúmeros estudos, incluindo alguns publicados mais recentemen­te. Mas a maior parte é sobre filmes para adultos. Entretanto, o instituto de Geena Davis se concentra em conteúdo direcionad­o para as crianças, e pesquisas sobre filmes orientados para a família. “Se você deseja mudar o mundo, deve mudar a mente de uma criança”, diz Madeline Di Nonno, CEO do instituto. “Geena é pioneira neste campo de pesquisa porque começou com sua filha e ficou preocupada com o que viu.”

Geena diz que agora, quando assiste a filmes e TV com os três filhos, “e eles me olham antes de eu falar alguma coisa e dizem ‘Já percebi’”. Estudo realizado pela Annenberg School for Communicat­ion concluiu que, por trás das câmeras, as mulheres diretoras ainda são raridade. Dos 100 filmes de sucesso em 2016, apenas cinco diretores eram mulheres dos 120, incluindo codiretore­s. Somente uma mulher conquistou o Oscar de direção em 89 anos de história do prêmio: Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror.

A experiênci­a de Callie Khouri é instrutiva. “Levei 10 anos até alguém permitir que eu dirigisse alguma coisa. E tentei a cada dia desses 10 anos”, afirma. Ela acabou dirigindo o filme Divinos Segredos, de 2002, e ficou decepciona­da ao ser catalogada como diretora de filmes femininos. “Nunca entendi porque me enviavam somente histórias sobre mulheres sofredoras. Ninguém gosta de ser estereotip­ado. Além do que, nunca pensei em Thelma & Louise como um filme particular­mente ameno.” Ela depois foi para a TV, tendo criado Nashville. Mas apesar das dificuldad­es, diz que há um aspecto positivo, além da estatueta em cima da lareira. “Honestamen­te, aqui estamos, 26 anos depois, falando sobre esse filme. Portanto, eu venci.”/

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FOX FILM Na estrada. ‘Nunca tivemos algum movimento de avanço’, diz a atriz e ativista Geena Davis

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