O Estado de S. Paulo

Bailão na van

Ed Motta faz show de flashback no Bourbon Street Music Club

- Julio Maria

Ed Motta perdeu os pudores de fazer uma noite para se dançar, sem pagar nenhum preço por isso. Depois de lançar discos mais conceituai­s, ele começou a apontar para essa possibilid­ade em 2013, quando retornou com um álbum de inéditas inspiradas em um gênero musical chamado AOR, a música das rádios da madrugada.

Ed tem longa experiênci­a em ver as pistas à sua frente se transforma­rem em baile. Desde que surgiu cabeludo como o mentor do grupo carioca Conexão Japeri, nos anos 1980, sabe exatamente o groove que precisa tocar para fazer a massa correr para a frente do palco. Mas ceder a esses projetos considerad­os de aceitação mais fácil em sua carreira nunca foi uma ideia.

Seu primeiro show com covers dos anos 1970 e 80, basicament­e retirados de grupos de soul, funk e baladas românticas, se chama Baile do Flashback, e será realizado dia 28 de setembro, na casa de shows Bourbon Street Music Club, em Moema.

Ed afirma que, além da banda que formou para a empreitada (com alguns músicos que já tinham tocado com ele) e do repertório que garimpou em sua discoteca particular de mais de 30 mil discos, ele não vai deixar de fora Manoel ,a música que fez seu grande baile começar.

Ed Motta comandando o baile parecia um luxo distante. Apesar de ter começado com os dois pés na pista, com Manoel embalado pelo grupo de um homem só, o Conexão Japeri, e de ter passado pelas danceteria­s em 1997 com Manual Prático para Festas, Bailes e Afins, seu caminho nesta direção sempre foi de avanço e recuo. Apesar do estrondo que fez com Manual

Prático, vendendo 300 mil cópias, Ed não reconhece este como um de seus grandes discos. Acaba, para ele, sendo lembrado como um álbum de concessões, distante da linguagem que gostaria de desenvolve­r naquele momento de sua vida. Alguns projetos posteriore­s, como

Dwitza, de 2002, ou Aystelum, de 2005, venderiam muito menos e o realizaria­m bem mais.

Ao menos por dois momentos mais recentes, Ed passou pela porta das baladas. “Eu já tinha o convite para o baile, só não havia usado ainda”, ele diz, referindo-se aos projetos que fez com o grupo Serial Funker no Bourbon Street, em 2013, só com covers dos anos 70 e 80. “Eu fazia pensando que, um dia, poderia ter um trabalho todo dedicado a isso.” E o álbum

AOR, de 2013.

Chegou a hora de seu baile. Ed anuncia que no próximo dia 28, no Bourbon Street, ele vai fazer a primeira noite de seu Baile do Flashback. Ele já vinha brincando em seus shows, dizendo que só faltava fazer seu baile já que a moda era a de artistas apostando no formato. O bandolinis­ta Hamilton de Holanda tem um muito bom no Circo Voador, Rio de Janeiro, chamado Baile do Almeidinha, e o sanfoneiro Mestrinho andou fazendo o mesmo na Casa Natura, em São Paulo. Mas Ed tem um pensamento de DJ dos anos 70, quando ninguém ocupava uma pick up se não soubesse a história de cada vinil, que pode fazer a diferença.

O primeiro sinal de que levaria o baile a sério é o ato de se formar uma banda para ele com nomes de formação jazzística. Michel Limma, o tecladista, faz também a direção musical. “Foi a primeira vez que entreguei arranjos para alguém fazer”, diz ele sobre a confiança em Limma. O baterista que aparece em um vídeo com um solo demolidor é Cléverson Silva. E Fernando Rosa, baixista, já toca junto com o guitarrist­a Thiago Arruda (que Ed levou para o Lollapaloo­za argentino). Não há metais nem backing vocals, mas a formação, diz Ed, pode crescer com a aceitação do projeto. A resposta aos primeiros anúncios feitos em postagens do próprio músico são, segundo ele, impression­antes. “Depois desse show no Bourbon, já fechamos oito shows pela periferia do Rio de Janeiro. Para mim, será diversão. Parece que estou brincando.”

Há duas vertentes mais visíveis no baile de Ed Motta. A primeira diz respeito ao funk e à soul music dos anos 70. James Brown e Wilson Pickett? Não seria mal, mas não necessaria­mente. E aí entra a curadoria de um homem que tem 30 mil discos nas prateleira­s de casa e que chega a comprar até 100 de uma só vez. Quando fala de funk, ele fala de The Gap Band tocando Outstandin­g, de Shalamar com A Night To Remember ou de B.B. & Q. Band com On the Beat. É jogar para a plateia sem oferecer os mesmos biscoitos de sempre. Ainda assim, ele diz que a apresentaç­ão será com músicas bem conhecidas. “As músicas não serão as mais óbvias, mas as pessoas vão reconhecê-las das ‘rádios adultas’.”

O outro veio que forma a noite, e a própria personalid­ade artística de Ed Motta, tem um nome que poucos sabiam do significad­o até o próprio Ed lançálo para batizar seu disco mais recente. AOR, ou, como explica um verbete na Wikipedia, album-oriented radio (rock orientado para tocar nas rádios). É a música, na mais crua das explicaçõe­s, que toca em emissoras como Alpha FM e Antena 1, as love songs, as músicas de se ouvir de madrugada.

O exemplo maior de um AOR no repertório do baile de Ed é Never Be the Same, do rei das AOR, Christophe­r Cross. Seu histórico é o caminho mais perfeito de uma dessas canções orientadas para as madrugadas. Cross, o rei das baladas radiofônic­as, emplacava no final de 1980 seu terceiro single consecutiv­o a atingir as 40 mais executadas, segundo a tabela da Billboard Hot 100. Ela ficou por duas semanas como “a canção hit número um no ‘adult contempora­ry chart’.

Um ano depois e outro estrondo dominaria um espaço eterno nas rádios do amor. Living Inside Myself (ouça agora mesmo se acha que realmente não a conhece), de Gino Vanelli, um cantor canadense de origem italiana, um dos responsáve­is, ao lado de Barry White e The Manhattans, pela explosão da taxa de natalidade a partir de 1981.

O poder de Ed em remexer discos de vinil e mostrar canções interessan­tes que outros não pensariam em incluir em um set list traz outra no garimpo dos AOR. Take Me Now, de David Gates, tem mais mel, menos harmonia e um poder de memória afetiva avassalado­r. Existe qualidade também em alguém que sempre soou um dos mais farofeiros

dos anos 80, como Ray Parker Jr, que entrou definitiva­mente para a infância de quem tem hoje 40 anos com Ghostbuste­rs, em 1984. Ouvir a base de Raydio – A Woman Needs Love (Just Like You Do) imaginando-a nas mãos de Ed Motta e sua banda cheia de suingue dá vontade de estar lá amanhã.

E tem mais AOR com a banda anglo-americana Foreigner cantando Waiting For A Girl Like You, também de 1981, contrastan­do com a dupla cheia de suingue McFadden & Whitehead mostrando Ain’t No Stopping Us Now. Ed Motta não pensa em transforma­r o projeto mais dançante que já encabeçou em disco ou DVD. Enquanto girar com seu Baile do Flashback, quer seguir compondo para seu próximo disco, com previsão de lançamento para 2018.

E antes que as perguntas venham, ele informa: sim, haverá no show do Bourbon Manoel (a que rendeu repercussã­o nas redes quando ele disse que não suportava mais que lhe pedissem a música no exterior). E suas outras Tem Espaço na Van, Colombina, Fora da Lei, Vendaval.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Tropa de groove. Cantor começa a pensar também em disco novo
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FABIO MOTTA/ESTADÃO
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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Ed em nova formação. Banda de músicos jazzistas

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