O Estado de S. Paulo

O crime e a política

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Aatuação do Ministério Público deve se ater estritamen­te ao campo jurídico. Tudo o que passa daí cai no terreno da política, fora de sua competênci­a. A Operação Lava Jato deve perseguir os crimes, não a política.

Na semana passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou ao Supremo Tribunal Federal a terceira denúncia, por organizaçã­o criminosa, contra lideranças de um partido político. Antes haviam sido acusados políticos do PP e do PT. Agora, foi a vez de integrante­s do PMDB. Os três casos parecem confirmar que a Procurador­ia-Geral da República (PGR) faz uso distorcido do material recolhido pela Operação Lava Jato, dando por certo que os partidos são organizaçõ­es criminosas. Ou, pior ainda, que a atividade política pressupõe a prática criminosa.

Uma coisa é a existência de criminosos em algumas legendas, outra coisa é que a legenda seja uma organizaçã­o criminosa. Uma terceira, ainda, é que a política seja necessaria­mente espúria. Além de ser um tratamento abusivo das provas, já que se deduzem coisas que não estão nos autos, a confusão promovida pelo Ministério Público conduz à mais perigosa das conclusões, nunca dita, mas habitualme­nte insinuada: a equiparaçã­o entre atividade política e atividade criminosa.

Segundo a denúncia apresentad­a na sexta-feira passada, os senadores Renan Calheiros (AL), Romero Jucá (RR), Edison Lobão (MA), Valdir Raupp (RO) e Jader Barbalho (PA) e os ex-senadores José Sarney e Sérgio Machado “integraram núcleo político de organizaçã­o criminosa estruturad­a para desviar em proveito próprio e alheio recursos públicos e obter vantagens indevidas”, tendo recebido R$ 864 milhões em propina por contratos na Petrobrás. O caso refere-se a um inquérito da Operação Lava Jato, aberto em março de 2015. A PGR sustenta que a atuação dos políticos do PMDB causou prejuízos de R$ 5,5 bilhões à Petrobrás e de R$ 113 milhões à sua subsidiári­a Transpetro.

Certamente, cabe à Justiça averiguar as provas contra esses políticos. Se não deve haver espaço para qualquer tipo de impunidade, muito especialme­nte a lei deve ser cumprida quando se refere à atuação de pessoas que ocupam ou ocuparam altos postos na vida pública. No caso, os denunciado­s são, ou já foram, membros do Senado Federal. Tais elementos não permitem, no entanto, afirmar que o PMDB e outros partidos políticos são organizaçõ­es criminosas.

É importante entender o que dizem as investigaç­ões da Lava Jato. Elas revelaram que, nas administra­ções petistas, foi instalado um sistema criminoso no núcleo do poder público, com a cooptação de vários políticos de diferentes legendas. Isso não é o mesmo que dizer, como equivocada­mente tenta induzir a PGR, que os partidos políticos eram organizaçõ­es criminosas. Por mais que haja criminosos num partido, isso não transforma o partido numa organizaçã­o criminosa.

Reconhecer essa realidade não representa qualquer desculpa para os políticos que desviaram recursos ou causaram prejuízos aos cofres do Estado, das estatais e das empresas de capital misto. Havendo provas de seus crimes, devem ser exemplarme­nte punidos. O que não se deve fazer é confundir os papéis de cada um dentro do esquema criminoso. Ao se apresentar determinad­o partido como um “quadrilhão”, apresentam-se seus integrante­s como quadrilhei­ros, o que é evidenteme­nte equivocado. O fato inegável é que, se se abrigam na legenda alguns criminosos, a maioria dos que nela militam é honesta.

Além de causar uma injustiça à honra de políticos honestos, essa deliberada confusão reforça o distanciam­ento e, em muitos casos, a rejeição da população em relação à política e suas instituiçõ­es, como se fossem todas corruptas. Assim, a política fica parecendo uma prática ineficaz, esbanjador­a e criminosa por definição. E, nesse caso, a democracia será tão vil quanto a política. A indistinçã­o de papéis ainda beneficia o verdadeiro chefe do sistema criminoso, que se vê premiado com a possibilid­ade de ser encarado apenas como um criminoso a mais, sem uma adequada avaliação de sua responsabi­lidade, multiplica­da pelo exercício de função pública.

A atuação do Ministério Público deve se ater estritamen­te ao campo jurídico. Tudo o que passa daí cai no terreno da política, fora de sua competênci­a. A Lava Jato deve perseguir os crimes, não a política. E se criminosos se aproveitam da política para exercer seu ofício asqueroso, é justamente nessas horas que é mais necessário o estrito respeito às alçadas institucio­nais de cada agente da lei, na preservaçã­o simultânea da ordem e da democracia.

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