O Estado de S. Paulo

A disputa sobre o Fundef

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A morosidade da Justiça e o desconheci­mento de finanças têm levado a equívocos.

Amorosidad­e da Justiça e o desconheci­mento de finanças públicas têm levado procurador­es e magistrado­s a tomar decisões não só equivocada­s, do ponto de vista jurídico, mas, também, com graves consequênc­ias econômicas para o País. Exemplo dessa decisão foi o recente julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de ações de autoria dos Estados da Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Amazonas, reclamando dos critérios utilizados pela União para calcular os repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento do Ensino Fundamenta­l e de Valorizaçã­o do Magistério (Fundef), que vigorou entre 1998 e 2006.

Por 5 votos contra 2, o STF acolheu as ações e obrigou o governo federal a pagar aos Estados as diferenças por eles reclamadas, no valor de R$ 50 bilhões. Como vários municípios também levaram a mesma reivindica­ção ao Judiciário e os Tribunais Regionais Federais (TRFs) a têm acolhido, quando transitare­m em julgado essas ações podem acarretar para o Tesouro um gasto de mais de R$ 90 bilhões. Com isso, a soma do que a União terá de arcar com todos esses processos é próxima do rombo fiscal de R$ 159 bilhões previsto pelo governo federal para 2017.

Até a decisão do STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) tinha esperança de que a Corte negasse os recursos dos Estados, o que acabaria estimuland­o os TRFs a rejeitar as ações dos municípios. Mas, com a derrota do governo, a AGU agora está preocupada com uma enxurrada de ações impetradas pelos municípios. “Para nós, o tema já está pacificado. A União desviou bilhões da educação”, afirma o presidente da Confederaç­ão Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, que há anos estimula prefeitos a questionar­em judicialme­nte os critérios de repasse do Fundef. Embora os advogados da AGU tenham alegado que esses processos podem compromete­r as finanças públicas, prevalecer­am no julgamento os argumentos do ministro Luís Roberto Barroso, para quem a crise fiscal dos Estados e municípios é tão grave quanto a da União. “Estamos repartindo escassez. Por temer o horror econômico, não podemos promover o horror jurídico”, disse ele.

Na realidade, a discussão não teria ganhado o vulto que tomou se o Ministério Público (MP) e a Justiça não tivessem ido além de suas competênci­as, reinterpre­tando a lei que criou o Fundef e deixando de levar em conta os objetivos desse programa, que foi criado para diminuir as desigualda­des regionais na área do ensino. Por meio dessa lei, a União se compromete a repassar recursos para os Estados carentes, equiparand­o o tratamento dado a todos os alunos do País.

A lei determina à União que divida a receita fiscal de cada Estado pelo número de matrículas do ensino fundamenta­l do ano anterior. O valor obtido é o mínimo a ser gasto por aluno e, se o Estado não tiver capacidade financeira, a União fará o complement­o. Mas, com apoio do Ministério Público, os Estados reinterpre­taram a lei. Segundo eles, a União deve considerar o valor da receita fiscal de todos os Estados e dividi-lo pelo número de matrículas. O resultado seria o mínimo a ser gasto por aluno em todo o País e o Estado que não tivesse recursos para bancá-lo seria auxiliado pelo governo federal. Esse entendimen­to – que foi endossado pelo STF – aumenta significat­ivamente o valor mínimo a ser gasto por aluno nos Estados com baixa receita fiscal. Esse problema foi agravado pela decisão do STF que, invocando a “uniformiza­ção da qualidade do ensino”, impôs suplementa­ções iguais para os repasses, ignorando que as necessidad­es do Estado de São Paulo são bastante distintas das dos Estados menos desenvolvi­dos.

Não cabia ao MP endossar a mudança de critérios de repasse estabeleci­dos pela lei do Fundef nem ao STF decidir pela “melhor fórmula”, impondo um mesmo tratamento a realidades diferentes. Tais decisões mudaram o espírito e a letra da lei e criaram um vultoso esqueleto fiscal, agravando as dificuldad­es que o País tem de superar, para sair da mais grave crise de sua história.

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