O Estado de S. Paulo

Gilmar e Fachin trocam críticas sobre delação

Após ministro dizer que colega foi ‘ludibriado’ no caso J&F, relator afirma que ‘está em paz’

- Rafael Moraes Moura Breno Pires

Em um dos momentos mais tensos no Supremo Tribunal Federal desde que a delação do Grupo J&F veio à tona, o ministro Edson Fachin disse ontem que a sua alma “está em paz”, ao rebater as críticas do colega de Corte Gilmar Mendes à homologaçã­o do acordo de colaboraçã­o premiada do empresário Joesley Batista. Para Gilmar, Fachin foi “ludibriado” pelo ex-procurador da República Marcello Miller, o que deve ter lhe imposto um “constrangi­mento pessoal muito grande”.

“Não invejo seus dramas pessoais, porque poucas pessoas ao longo da história do STF se viram confrontad­as com desafios tão imensos, grandiosos. E tão poucas pessoas na história do STF correm o risco de ver o seu nome e o da própria Corte conspurcad­os por decisões que depois vão se revelar equivocada­s”, disse Gilmar a Fachin, criticando a forma com que o relator conduziu o caso do Grupo J&F.

“Ter sido ludibriado por Miller e et caterva (e comparsas) e ter tido o dever de homologar isso devem-lhe impor um constrangi­mento pessoal muito grande”, afirmou Gilmar, em referência a Marcello Miller, que teria atuado para o Grupo J&F antes de se desligar da Procurador­ia-Geral da República.

Para Gilmar, o STF enfrenta um quadro de “vexame institucio­nal”. “Certamente, no lugar onde está, o ministro Teori (Zavascki, morto em janeiro em um acidente aéreo) está rezando por nós, dizendo: ‘Deus me poupou desse vexame’. Nós estamos vivenciand­o um grande vexame, o maior que já vi na história do tribunal”, disse o ministro.

Em junho, o plenário do Supremo referendou Fachin como responsáve­l pela homologaçã­o monocrátic­a da delação de executivos da J&F após questionam­entos dos benefícios concedidos aos delatores.

O embate entre Fachin e Gilmar ocorreu de manhã, durante julgamento da Segunda Turma do STF sobre denúncia contra o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) e o ex-executivo da Petrobrás Djalma Rodrigues de Souza pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Fachin considerou que a delação do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, e os documentos apresentad­os traziam condições para abertura de ação penal no caso. Ao suspender o julgamento, depois do pedido de vista (mais tempo para análise) de Ricardo Lewandowsk­i, Fachin respondeu a Gilmar.

Provas. “Eu reitero o voto que proferi com base naquilo que entendo que é a prova dos autos. E por isso agradeço a preocupaçã­o de Vossa Excelência, mas parece-me que, pelo menos a meu ver, julgar de acordo com a prova dos autos não deve constrange­r ninguém, muito menos um ministro da Suprema Corte. Também agradeço a preocupaçã­o de Vossa Excelência e digo que a minha alma está em paz”, afirmou Fachin, sem demonstrar irritação.

Na Corte, Fachin tem tido o apoio dos colegas. Um integrante da Segunda Turma disse reservadam­ente concordar com o relator, de que não há que se falar em constrangi­mento e que o ministro se saiu muito bem diante da colocação de Gilmar.

Em novo ataque à Procurador­ia-Geral da República, Gilmar falou em “putrefação, degradação dessa instituiçã­o”. “Parece que, ao sair de lá, o Miller, Janot também perdeu o cérebro. Não era só o braço direito”, disse.

Gilmar afirmou que, em muitos casos, sem delação, não há alternativ­a de investigaç­ão. “Mas estudos mostram que há um convite à subdelação, protegendo determinad­as pessoas. E há o convite à superdelaç­ão. Essa manipulaçã­o é horrorosa, é nojenta, é repugnante.”

Procurada pela reportagem, a Procurador­ia-Geral da República não se manifestou.

Embate

“Nós estamos vivenciand­o um grande vexame.”

Gilmar Mendes

MINISTRO DO SUPREMO

“Minha alma está em paz.” Edson Fachin

RELATOR DO CASO J&F NA CORTE

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO Ministros. Fachin e Gilmar discutiram durante julgamento na Segunda Turma do Supremo
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ANDRE DUSEK/ESTADÃO-12/9/2017

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