O Estado de S. Paulo

Uma mulher trans de olho no Oscar

Longa com Daniela Vega será o candidato do Chile no prêmio

- Luiz Carlos Merten

Daniela Vega pode não ter feito história em Berlim, em fevereiro, como a primeira mulher trans a vencer o prêmio de interpreta­ção feminina num grande festival de cinema, mas quem sabe o Oscar? O Chile indicou oficialmen­te Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio, como seu candidato para concorrer a uma vaga no prêmio da Academia. Na sexta-feira, 15, sairá o candidato do Brasil para concorrer com Uma Mulher Fantástica. O filme tem atraído bom público aos cinemas. Na Reserva Cultural, teve direito a debate, com a participaç­ão de uma mulher trans, a atriz Maite Schneider.

Na Berlinale, Sebastián Lelio disse que o grande desafio foi fazer seu filme com uma trans. “Daniela (Vega) é conhecida no Chile como cantora lírica e, embora seja também atriz, parecia arriscado fazer dela a protagonis­ta absoluta de um filme que depende muito do papel, e de quem o interpreta. De qualquer maneira, não creio que teria sido viável fazer o filme de outra forma, com uma mulher ou mesmo um homem travestido. Seria um anacronism­o estético, quem sabe uma aberração.”

Fazer esse filme teve também, para Lelio, o sentido de uma (re)educação. “Abordar o universo das trans exigiu, de minha parte, todo um processo de adequação. Trabalhei durante mais de um ano com Daniela porque, se era importante que ela se preparasse como atriz, também era importante que eu me despisse de todo preconceit­o para adentrar nesse universo com total comprometi­mento.” E Daniela – “Desde o começo, conversand­o com Seba (o diretor Lelio), ficou claro que o foco não seria documental. Nosso filme não é uma obra de denúncia. Eu o entendi muito mais como uma história de amor, de solidão. Todas poderíamos ser Marina (a protagonis­ta). Quantas mulheres não são aceitas pelas famílias de seus novios (noivos) ou companheir­os? E pelos mais variados motivos, porque vêm de outra comunidade, porque têm outra cor, por causa do comportame­nto”.

Por isso mesmo, desde que o projeto começou a tomar forma, Lelio e Daniela uniram-se num ponto. “Era absolutame­nte necessário que Marina provocasse empatia no público. A ideia desse filme é que, independen­temente de discordânc­ias de gênero ou sexo, as pessoas terminasse­m torcendo por ela. Vivemos um mundo de aparência. É como as pessoas te veem, não como és”, destaca o diretor. Alguns momentos são cruciais nesse processo de descoberta e aceitação de Marina. Porque, no fundo, ela é só uma mulher que está querendo fazer o luto pela morte do companheir­o, Orlando. “Se fosse uma mulher, a oposição da família talvez fosse a mesma, porque envolve bens materiais, partilha. O fato de ser uma trans somente acirra o preconceit­o.”

Muitas cenas são fortes – Marina descobrind­o o segredo do cadeado, Marina adentrando no velório e projetando a própria fragilidad­e emocional daquele momento na criança que chora. “A personagem conclui um arco”, diz o diretor. “Em meu filme precedente (Glória, com Paulina García), também já tinha uma mulher que era a outra na vida de um homem. Nesse sentido, não creio que as duas histórias sejam tão diferentes.” Daniela contou a jornalista­s de todo o mundo, em Berlim, que não existe uma lei de gênero no Chile. “O assunto agora entra em pauta no Senado. Eu, por exemplo, não tenho uma identidade feminina. Meus documentos sã ode homem, e isso faz com que, acada vez que tenha de mostrá-los, termine sofrendo algum constrangi­mento. A violência institucio­nal é muito grande.” Mesmo assim, ela acredita que as coisas estejam mudando .“Só ofato de Marina sera protagonis­ta ... Não faz mui totempoe a história seria outra, e ela um afigura secundária. Ainda existe muito caminho para percorrer, mas estamos avançando.”

“Nosso filme não é uma obra de denúncia. Eu o entendi muito mais como uma história de amor, de solidão” Daniela Vega

 ?? IMOVISION ?? A estrela. Faz diferença ser a protagonis­ta da história: não faz muito tempo, Marina seria secundária
IMOVISION A estrela. Faz diferença ser a protagonis­ta da história: não faz muito tempo, Marina seria secundária

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil