O Estado de S. Paulo

Eleitor não é idiota

- TWITTER: @ZEROTOLEDO BLOGS.ESTADAO.COM.BR/VOX-PUBLICA/ JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

“Éum bosta, é um merda.” Estádio de futebol? Longe disso. Após a “gourmetiza­ção” das arenas futebolíst­icas, é mais comum ouvir frases do tipo em palácios brasiliens­es. Os impropério­s foram dirigidos ontem pelo vice-presidente da Câmara dos Deputados justamente ao responsáve­l por zelar pelas boas relações do governo Temer com... os deputados. O ministro fez que não ouviu e deixou o deputado xingando sozinho, o que só aumentou sua ira.

Nada de muito anormal para uma turma que, a cada legislatur­a, bate recorde de processos, investigaç­ões, prisões e cassações. O único risco de chamar o atual Congresso brasileiro de o pior da história é ser desmentido pelo próximo Congresso. Risco alto.

Mas cusparadas e palavrões parlamenta­res são incômodo – se são – apenas para os próprios. Para quem não frequenta o Congresso, o problema não é o que eles dizem, mas o que eles fazem. Em especial, o que eles votam. Esta legislatur­a está caprichand­o.

Em uma sessão esvaziada, na terçafeira à noite, a comissão que urde a impropriam­ente chamada reforma política aprovou a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na semana anterior à eleição. Isso mesmo: você, eleitor, não poderá saber quem está na frente e quem está atrás, se seu candidato tem chances de chegar ao segundo turno ou não, nem se há uma onda de votos nulos e brancos se aproximand­o. Você não pode saber.

Não pode saber porque os deputados pressupõem que você é um idiota. Que você é incapaz de pensar por si próprio. Que você é um ser manipuláve­l como um peão. Não se trata de julgarem os outros por si próprios, mas de projetarem nos adversário­s o que eles mesmos possam fazer. Sim, porque a proibição da divulgação de pesquisas não vai afetar as picaretage­ns nem os picaretas.

Em tempos de mídias sociais universais, abundarão mais pesquisas apócrifas, falsas e fictícias tanto menos pesquisas registrada­s, científica­s e de institutos conhecidos puderem circular. A proibição pretendida pelos deputados não vai produzir um deserto informativ­o. Vai, sim, plantar um canavial de desinforma­ção.

Acabar com a oferta de pesquisas cuja metodologi­a é verificáve­l, que se sabe quem pagou por elas e qual foi o questionár­io aplicado não suprimirá a demanda do eleitor por informação. Vai criar um mercado paralelo de produtos sem fiscalizaç­ão, com a mesma qualidade e confiabili­dade de quem aprovar essa lei.

A cada eleição a decisão do voto é mais tardia. Proibir a divulgação de pesquisas a uma semana do pleito é proibir as pesquisas mais importante­s e determinan­tes para o eleitor. Submeter a medição das preferênci­as do eleitorado a uma espécie de Lei Seca justamente quando o eleitor mais precisa de informação terá os efeitos da proibição de bebidas alcoólicas nos EUA de um século atrás: reservará mercado para mafiosos.

“Ah, mas as pesquisas influencia­m o resultado da eleição.” Claro que influencia­m, assim como o noticiário sobre as campanhas e a propaganda eleitoral dos candidatos na TV influem no que sai das urnas. Por essa lógica, o jornalismo devia ser proibido. Foram notícias da investigaç­ão do FBI sobre os e-mails de Hillary Clinton que ajudaram a eleger Donald Trump nos EUA.

Felizmente, o Supremo vem derrubando todas as tentativas de censura das pesquisas eleitorais no Brasil. A última foi em 2006, como lembra nota da Associação Brasileira de Jornalismo Investigat­ivo (Abraji) contra a mais recente tentativa do Congresso de cercear o direito à informação.

O eleitor não é idiota. Ele tem o direito de saber o que quiser – e fazer o que bem entender com essa informação. Inclusive eleger deputados que xingam e escarram uns nos outros.

Você não poderá saber quem está na frente e quem está atrás nas pesquisas

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