O Estado de S. Paulo

Quem tem medo da economia livre?

- SUELY CALDAS É JORNALISTA

Quando a taxa de câmbio era fixada pelo Banco Central (BC), boa parte dos empresário­s – exportador­es à frente – reclamava de uma defasagem de 30% em relação à moeda nacional a prejudicar seus negócios. Qualquer que fosse a taxa, a defasagem era sempre de 30%. Em 1995, o Plano Real introduziu o regime de bandas, em que o BC definia margens tão estreitas que pouco se diferencia­va do câmbio fixo. Em 1999, no rastro de um grave ataque ao real, finalmente chegou o câmbio flutuante e o valor do dólar passou a oscilar de acordo com oferta e demanda. O BC saiu de cena e os queixosos empresário­s tiveram de se adaptar à liberdade, sem ter o governo agindo por eles. Gostaram? Não. Mas o tempo os ensinou a andar com as próprias pernas. Hoje ninguém mais reclama de defasagem cambial.

A história se repete agora com a Taxa de Longo Prazo (TLP), que vai substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) em janeiro. Como o câmbio fixo, a TJLP é também fixada pelo governo – no caso pelo Conselho Monetário Nacional, que se reúne a cada três meses para definila. Aí está o pulo do gato. Como sempre que entra em interesses privados o governo atrai lobbies, privilégio­s e influência política, ao longo do tempo a TJLP foi fortemente subsidiada com dinheiro público. Aplicada em créditos do BNDES para grandes empresas, desde 2013 ela oscilou entre 5% e 7,5% (hoje está em 7%), período em que a inflação esteve bem acima deste patamar, e no governo Dilma chegou a ultrapassa­r 10%, o dobro da taxa.

Segundo a Receita Federal, entre 2007 e 2016 os subsídios com a TJLP custaram R$ 240 bilhões aos brasileiro­s. Daria para sustentar o Bolsa Família por 17 anos. A população pagou, mas quem lucrou? Obviamente as empresas que tomam empréstimo­s do BNDES, mais ainda as campeãs nacionais que concentrar­am créditos bilionário­s, apropriara­m-se do dinheiro público (que faltou para a área social) e ainda produziram prejuízos gigantesco­s para o banco. Exemplos mais notáveis: JBS, Oi e as empresas de Eike Batista, todas amigas dos governos Lula e Dilma e hoje às voltas com corrupção e falência. A nova TLP não elimina inteiramen­te o subsídio, mas reduz seu custo e, com o tempo, vai convergir para o custo de financiame­nto do Tesouro, de onde sai o dinheiro para bancá-la.

E os empresário­s gostaram? Obviamente não. Como no câmbio fixo, ao deixar de fixar a TJLP, o governo sai de cena, o conforto e a inércia desaparece­m e eles terão de ir à luta, aprender a andar com as próprias pernas, sem proteção ou favores. Aliás, como todos os brasileiro­s.

Outra frente nesta linha de progressiv­a liberdade econômica seria uma verdadeira reforma fiscal que eliminasse favores, escolhas, compadrios e privilégio­s de poucos custeados por todos. Favores que abrem caminho para corrupção, vendas de MPs (caso Caoa no governo Lula) e certas leis, como o Refis do calote arquitetad­o no Congresso. A Receita Federal fez o cálculo: entre desoneraçõ­es, isenções e reduções de impostos com que Dilma Rousseff presenteou diversos segmentos da economia desde 2011, a renúncia fiscal somaria R$ 458 bilhões em 2018, quase o triplo do rombo orçamentár­io previsto para este ano. É receita tributária que deixou

No Brasil se dá bem quem tem poder de influência no governo e no Congresso, os bem-sucedidos lobbies

de entrar para o Tesouro nesse período e hoje faz falta para serviços públicos ameaçados de paralisaçã­o.

Em maio, para uma TV pública na Suíça, Dilma confessou ter sido “uma grande burrada” sua política de incentivos fiscais. “Achava que teria aumento dos investimen­tos. Me arrependo. No lugar de investir, eles aumentaram a margem de lucro”. Dona Dilma, achismos, ingenuidad­e, amadorismo e incompetên­cia não são apropriado­s em gestão pública.

No Brasil se dá bem quem tem poder de influência no governo e no Congresso, os bem-sucedidos lobbies empresaria­is, os grupos de pressão à caça de favores e dinheiro público. A imensa maioria da população vive à margem desse mundo, são os sem poder, que vivem com o que têm, se viram para pagar escola, comida, aluguel, impostos e cumprem as leis.

É essa diferença que está no cerne da persistent­e privilegia­da concentraç­ão de renda do País e explica boa parte de nossas desigualda­des sociais.

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