O Estado de S. Paulo

Congresso vê brecha para dificultar delações

Legislativ­o. Propostas serão discutidas em CPMI e em comissão especial da Câmara; rescisão de acordo da J&F abre brecha para revisar legislação que trata de colaboraçõ­es

- Thiago Faria Renan Truffi Isadora Peron / BRASÍLIA

A rescisão do acordo da J&F abriu brecha para adoção de regras mais rígidas para delações. A intenção é usar a CPMI da JBS para debater medidas que dificultem novas colaboraçõ­es.

A rescisão do acordo firmado com executivos do Grupo J&F abriu brecha para que parlamenta­res voltem a discutir regras mais rígidas para que Ministério Público Federal e Polícia Federal negociem delações premiadas. A intenção é usar a recém-criada CPMI da JBS para debater medidas que, na prática, dificultem e possam até inviabiliz­ar novas colaboraçõ­es.

Entre as regras previstas estão itens como estabelece­r na lei benefícios predefinid­os a delatores de acordo com o grau de colaboraçã­o, limitando a vantagem à metade da pena máxima prevista para o crime admitido. Assim, um delator que confessar ter corrompido um político, por exemplo, teria de cumprir no mínimo seis anos de prisão, uma vez que a pena máxima para este crime é de 12 anos.

Casos como o dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS, que negociaram imunidade penal em troca de provas que incriminas­sem o presidente Michel Temer, seriam proibidos.

Outra proposta em discussão é a de fixar um prazo para que candidatos a delatores que estejam presos provisoria­mente negociem um acordo de colaboraçã­o. “Se passar um determinad­o tempo que o cidadão está encarcerad­o, não é possível mais delatar”, afirmou Carlos Marun (PMDB-MS), relator da CPMI e um dos entusiasta­s da revisão da lei que trata das colaboraçõ­es premiadas.

A escolha de Marun para relatar a CPMI provocou rebelião no colegiado na semana passada. Ao menos quatro parlamenta­res deixaram a comissão após ele assumir a função.

O peemedebis­ta é um dos principais nomes da chamada tropa de choque de Temer no Congresso e o receio é, justamente, que o governo use a comissão para outros fins, que não seja o de investigar irregulari­dades envolvendo a empresa de processame­nto de carnes.

Delações. O uso das delações premiadas como forma de obtenção de provas em investigaç­ões está prevista na Lei das Organizaçõ­es Criminosas, sancionada pela presidente cassada Dilma Rousseff em 2013. Alguns pontos, porém, ainda estão em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), como a permissão para que a PF assine acordos por conta própria.

O maior envolvimen­to da PF nas negociaçõe­s é justamente um dos pontos que devem ser debatidos na CPMI. Subrelator da comissão, o deputado Delegado Francischi­ni (SD-PR) defende o aval da instituiçã­o antes de qualquer acordo ser assinado. “Seria uma espécie de fase prévia do acordo, que teria de passar por averiguaçã­o da PF”, disse Francischi­ni, que é delegado da PF.

Antes mesmo da CPMI, as mudanças nas regras das delações já eram discutidas na comissão especial da Câmara que trata da reformulaç­ão do Código de Processo Penal, mas o relator, deputado João Campos (PRB-GO), resiste em incluir o

tema em seu relatório.

Para o presidente da comissão especial, deputado Danilo Forte (PSB-PE), no entanto, esse entendimen­to ganhou força após os problemas apresentad­os no acordo da J&F. “Hoje há um poder excessivo concentrad­o na mão dos procurador­es”, afirmou Forte.

O presidente da CPMI, senador Ataídes Oliveira (PSDBTO), disse que os depoimento­s de envolvidos na delação da J&F podem contribuir para o debate. Questionad­o se apoia uma revisão da lei, disse que sim, embora a legislação atual o agrade. “Se for para melhorar a lei a bem do nosso País, sim (apoia a revisão), mas, no momento, a lei da delação muitíssimo me agrada.”

A previsão tanto na comissão parlamenta­r de inquérito quanto na comissão especial é ter uma proposta concreta até o fim do ano.

Lava Jato. O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, criticou as propostas em discussão no Congresso e apontou mudanças que podem inviabiliz­ar delações. “Temos que lembrar que um colaborado­r pode estar sendo investigad­o ou acusado por um ou outro crime, mas terá de trazer prova de muitos outros, até então desconheci­dos das autoridade­s. Qual será o incentivo para esse comportame­nto se, ao final, receberá pena por esses outros crimes?”, questionou Lima, em referência à proposta de limitar benefícios.

Para o procurador, a rescisão do acordo de executivos da J&F, em vez de enfraquece­r, fortalece o instituto da delação. “O que aconteceu com a JBS prova muito mais a força do instituto do que sua fraqueza, pois Joesley está na cadeia e as provas estão aí, válidas. E é bom que se rescindam alguns acordos, pois isso trará para os colaborado­res a certeza de que não se está brincando com o instituto.”

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ANDRE DUSEK/ESTADAO-30/8/2017 Ofensiva. Parlamenta­res querem ter uma proposta concreta para votar até o fim do ano

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