O Estado de S. Paulo

Humor e crítica

Matheus Nachtergae­le retorna à comédia na série Filhos da Pátria.

- Adriana Del Ré

Pacheco é um corrupto nato, que engendra esquemas escusos envolvendo recursos públicos com a ajuda de colegas em seu ambiente de trabalho. Ele bem poderia estampar os noticiário­s atuais, em tempos de delação premiada, mas Pacheco é um personagem de época, da nova série da TV Globo, Filhos da Pátria, situada no século 19, mais precisamen­te na fase pósindepen­dência no Brasil. Com criação e redação final de Bruno Mazzeo e direção artística de Mauricio Farias, o seriado, que estreia nesta terça-feira, 19 – depois do último episódio de Sob Pressão –, tem início no dia 8 de setembro de 1822. E escancara, pelo filtro do humor, o DNA da corrupção no Brasil.

“É uma tentativa de a gente, por meio da comédia, investigar os impulsos corruptos que ficam evidenciad­os na história da política brasileira desde sempre. Mas agora a gente está num momento de xeque-mate, e isso me parece bom: saber o nome das pessoas e o volume do dinheiro envolvido nas atitudes corruptas contra nós”, afirma Matheus Nachtergae­le, o intérprete de Pacheco em Filhos da Pátria, em entrevista ao Estado. “Fazendo a série, a ficha que me caiu claramente foi como nós não aproveitam­os jamais nenhum momento histórico para transforma­r o Brasil em algo nosso. O Brasil sempre é um negócio, onde se visa ao lucro absoluto de alguém. Alguém que não somos nós”, completa o ator, um dos grandes artistas de sua geração, com talento para transitar entre o drama e a comédia.

Para colocar suas falcatruas em prática, Pacheco, que trabalha no Paço Imperial, precisa da colaboraçã­o de uma rede igualmente corrupta. E atrai para o esquema o ingênuo português Geraldo Bulhosa (Alexandre Nero), casado com a ambiciosa brasileira Maria Teresa (Fernanda Torres), e pai do alienado Geraldinho (Johnny Massaro) e da jovem feminista Catarina (Lara Tremouroux). Geraldo é também funcionári­o do Paço, fazendo a intermedia­ção nas relações entre Brasil e Portugal. No entanto, com a Independên­cia do País, ele acredita que vai perder seu cargo oficial. Ao mesmo tempo que se sente inseguro e desprestig­iado, Geraldo é pressionad­o pela mulher, que quer ascender socialment­e – e financeira­mente. “A fábula do Bruno (Mazzeo) é: agora que eles (portuguese­s) foram embora, é ‘nois’. Mas não para nós: para o negócio, para os sócios. E o Pacheco é esse agente da ideia corruptora, é o cara que vai ensinando e seduzindo Geraldo a lucrar com os negócios escusos.”

Segundo Matheus, quando o personagem de Nero “abre os olhos”, ele se dá conta que existe uma rede grande, que passa pelo clero, pelos militares, pelos negociante­s. “Ele percebe que existe uma confraria de pessoas que estavam esperando só Portugal sair para tomar o lugar. O Pacheco vai apresentar o desamor e as práticas corruptas para Geraldo, que vai ser altamente estimulado pela mulher.”

Para o ator, Geraldo tinha a opção de não entrar nesse jogo – tal e qual personagen­s da vida real. “Ele é corrompido. Podia sair ou denunciar, por exemplo, mas ele vai entrando. A princípio, parece que está coagido, que vai sendo ‘obrigado’. A prática corrupta vai invadindo tudo. É preciso que se saia disso. É difícil, porque tem benefícios. A série é sobre isso, sobre esse DNA da corrupção no Brasil, como ele vai se espraiando e como é difícil escapar. O ideal era Geraldo escapar, mas ele não escapa. Ele fica”, conta Matheus, que ainda excursiona pelo País com seu monólogo, Processo de Conscerto do Desejo, está divulgando seu novo filme, A Serpente, em festivais de cinema, e se prepara para começar a ensaiar, em outubro, uma nova série da Globo, Cine Holliúdy, “sob a batuta de Guel Arraes”.

Toque feminista. E quais foram as inspiraçõe­s para Matheus criar seu Pacheco em Filhos da Pátria? As referência­s devem ter sido muitas? O ator dá risada: “Basta estar vivo no Brasil”, ele responde. “A parte do artesanato do ator é você entender a corrupção em você, o desamor em você, e poder demonstrar. Mas tudo num clima de alegria, o bastidor (da série) era muito inteligent­e, gostoso e saboroso.”

Em meio a tanta lama, despontam ainda figuras combativas dessas práticas na trama, como Lucélia (Jéssica Ellen), escrava da família Bulhosa, e a idealista Catarina (Lara Tremouroux), a já citada filha caçula do casal. “São as duas meninas mais jovens. Achei um toque feminista bonito, elas se apercebem da sujeira da situação na qual estão metidas”, observa ele. E o humor, mais uma vez, deverá se mostrar como uma poderosa ferramenta de crítica. Matheus concorda. “O próprio (filme ) Auto da Compadecid­a, na minha opinião, é altamente político. O João Grilo (papel de Matheus) e o Chicó (de Selton Mello) sobrevivem aos poderes institucio­nalizados, eles são sobreviven­tes”, lembra Matheus Nachtergae­le.

“Acho que Filhos da Pátria devolveu, para nós, um sentido gostoso no fazer televisão. É uma comédia com uma crítica social – apesar de ser de época – tão absolutame­nte urgente. É um nó na garganta que a gente gostou tanto de poder desatar. Estou bem feliz com o personagem, mas, principalm­ente, com essa possibilid­ade de fazer TV preenchida de sentido.”

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GABRIEL LORDELLO/ESTADÃO Matheus. Em Vitória, onde participou de um festival de cinema
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Pacheco. Personagem envolvido em esquemas: ‘A série é sobre esse DNA da corrupção no Brasil’, diz Matheus Nachtergae­le
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TATA BARRETO/GLOBO O casal. Maria Teresa (Fernanda Torres) e Geraldo (Alexandre Nero): a ambiciosa e o ingênuo
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RAQUEL CUNHA/GLOBO

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