O Estado de S. Paulo

O sistema de tributação do Brasil não é simples, não é neutro, não é transparen­te nem isonômico.

- Bernard Appy

Émuito comum que o sistema tributário brasileiro seja criticado por sua regressivi­dade, visto que a forte tributação do consumo oneraria mais os pobres, enquanto a insuficien­te tributação da renda e do patrimônio favoreceri­a os ricos.

Se é verdade que é necessário e possível ampliar a progressiv­idade dos tributos brasileiro­s, é preciso ter cuidado ao fazer propostas de mudanças no sistema tributário tendo por referência apenas seu impacto distributi­vo. As caracterís­ticas de um bom sistema tributário estão bem estabeleci­das na literatura: 1) simplicida­de para os contribuin­tes; 2) neutralida­de, o que significa que o imposto devido deve ser o mesmo, qualquer que seja a forma de organizaçã­o da produção; 3) transparên­cia; e 4) equidade (situações equivalent­es devem ser tributadas de forma equivalent­e e pessoas com maior capacidade contributi­va devem pagar mais).

O sistema tributário brasileiro não tem nenhuma dessas caracterís­ticas: não é simples, não é neutro, não é transparen­te nem isonômico. Em grande medida, as disfunções do sistema tributário brasileiro resultam do fato de que não temos um único sistema tributário, e sim uma multiplici­dade de regimes tributário­s.

A multiplici­dade de regimes tributário­s tem várias origens. Em primeiro lugar, resulta da existência de vários regimes simplifica­dos de tributação: lucro presumido, Simples e microempre­endedor individual (MEI). Em segundo lugar, decorre do fato de que, ao contrário da maioria dos países, que tem apenas um IVA, temos quatro tributos sobre bens e serviços – ICMS, ISS, IPI e PIS/Cofins –, que incidem de forma diferencia­da segundo o setor e o porte da empresa. Em terceiro lugar, o sistema tributário brasileiro caracteriz­a-se por uma enorme quantidade de benefícios fiscais, cujo efeito é uma tributação muito diferencia­da entre setores, empresas e localidade­s. Em quarto lugar, há uma multiplici­dade de formas de financiame­nto da Previdênci­a Social, as quais levam, por exemplo, a que a remuneraçã­o de sócios de empresas seja muito menos tributada que a de empregados formais. Em quinto lugar, há uma série de distorções na tributação dos rendimento­s de capital (lucros, juros, aluguéis e ganhos de capital), que viabilizam arbitragen­s visando a reduzir a tributação.

Tais distorções têm várias consequênc­ias negativas. Por um lado, como a tributação pode variar muito em função da forma como a produção está organizada, cria-se um incentivo para organizar a produção de modo a reduzir a tributação. Isso leva a uma organizaçã­o ineficient­e da economia, reduzindo significat­ivamente a produtivid­ade e o potencial de cresciment­o do País.

Por outro lado, a multiplici­dade de formas de tributação também tem impactos distributi­vos indesejáve­is. Um prestador de serviços que se converte em sócio de empresa, por exemplo, passa a pagar muito menos Imposto de Renda e contribuiç­ão para a Previdênci­a.

Uma boa reforma tributária deveria ter como objetivo reduzir ao máximo a possibilid­ade de arbitragem entre diferentes formas de tributação, o que, por si só, já teria um impacto muito positivo sobre a produtivid­ade e a distribuiç­ão de renda. No caso dos bens e serviços, a

O sistema de tributação do Brasil não é simples, não é neutro, não é transparen­te nem isonômico

melhor forma de fazê-lo seria migrando para um imposto do tipo IVA (uma proposta com essas caracterís­ticas foi descrita em meu artigo de 22 de agosto e está disponível em www.ccif.com.br).

Para corrigir as demais distorções, seria necessário redesenhar os regimes simplifica­dos de tributação e o modelo de tributação da renda do capital do País, bem como modificar o regime de tributação da folha, eliminando possibilid­ades de arbitragem (em princípio, a melhor forma de fazê-lo seria por meio da separação clara entre benefícios previdenci­ários e assistenci­ais, tanto na concessão quanto em seu financiame­nto).

Por fim, é preciso ter em conta que o impacto distributi­vo das políticas públicas depende não apenas da tributação, mas também das despesas. Na maioria dos casos (mas não em todos), os gastos públicos são mais eficientes que a tributação como instrument­os distributi­vos.

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