O sistema de tributação do Brasil não é simples, não é neutro, não é transparente nem isonômico.
Émuito comum que o sistema tributário brasileiro seja criticado por sua regressividade, visto que a forte tributação do consumo oneraria mais os pobres, enquanto a insuficiente tributação da renda e do patrimônio favoreceria os ricos.
Se é verdade que é necessário e possível ampliar a progressividade dos tributos brasileiros, é preciso ter cuidado ao fazer propostas de mudanças no sistema tributário tendo por referência apenas seu impacto distributivo. As características de um bom sistema tributário estão bem estabelecidas na literatura: 1) simplicidade para os contribuintes; 2) neutralidade, o que significa que o imposto devido deve ser o mesmo, qualquer que seja a forma de organização da produção; 3) transparência; e 4) equidade (situações equivalentes devem ser tributadas de forma equivalente e pessoas com maior capacidade contributiva devem pagar mais).
O sistema tributário brasileiro não tem nenhuma dessas características: não é simples, não é neutro, não é transparente nem isonômico. Em grande medida, as disfunções do sistema tributário brasileiro resultam do fato de que não temos um único sistema tributário, e sim uma multiplicidade de regimes tributários.
A multiplicidade de regimes tributários tem várias origens. Em primeiro lugar, resulta da existência de vários regimes simplificados de tributação: lucro presumido, Simples e microempreendedor individual (MEI). Em segundo lugar, decorre do fato de que, ao contrário da maioria dos países, que tem apenas um IVA, temos quatro tributos sobre bens e serviços – ICMS, ISS, IPI e PIS/Cofins –, que incidem de forma diferenciada segundo o setor e o porte da empresa. Em terceiro lugar, o sistema tributário brasileiro caracteriza-se por uma enorme quantidade de benefícios fiscais, cujo efeito é uma tributação muito diferenciada entre setores, empresas e localidades. Em quarto lugar, há uma multiplicidade de formas de financiamento da Previdência Social, as quais levam, por exemplo, a que a remuneração de sócios de empresas seja muito menos tributada que a de empregados formais. Em quinto lugar, há uma série de distorções na tributação dos rendimentos de capital (lucros, juros, aluguéis e ganhos de capital), que viabilizam arbitragens visando a reduzir a tributação.
Tais distorções têm várias consequências negativas. Por um lado, como a tributação pode variar muito em função da forma como a produção está organizada, cria-se um incentivo para organizar a produção de modo a reduzir a tributação. Isso leva a uma organização ineficiente da economia, reduzindo significativamente a produtividade e o potencial de crescimento do País.
Por outro lado, a multiplicidade de formas de tributação também tem impactos distributivos indesejáveis. Um prestador de serviços que se converte em sócio de empresa, por exemplo, passa a pagar muito menos Imposto de Renda e contribuição para a Previdência.
Uma boa reforma tributária deveria ter como objetivo reduzir ao máximo a possibilidade de arbitragem entre diferentes formas de tributação, o que, por si só, já teria um impacto muito positivo sobre a produtividade e a distribuição de renda. No caso dos bens e serviços, a
O sistema de tributação do Brasil não é simples, não é neutro, não é transparente nem isonômico
melhor forma de fazê-lo seria migrando para um imposto do tipo IVA (uma proposta com essas características foi descrita em meu artigo de 22 de agosto e está disponível em www.ccif.com.br).
Para corrigir as demais distorções, seria necessário redesenhar os regimes simplificados de tributação e o modelo de tributação da renda do capital do País, bem como modificar o regime de tributação da folha, eliminando possibilidades de arbitragem (em princípio, a melhor forma de fazê-lo seria por meio da separação clara entre benefícios previdenciários e assistenciais, tanto na concessão quanto em seu financiamento).
Por fim, é preciso ter em conta que o impacto distributivo das políticas públicas depende não apenas da tributação, mas também das despesas. Na maioria dos casos (mas não em todos), os gastos públicos são mais eficientes que a tributação como instrumentos distributivos.