O Estado de S. Paulo

Isenção na investigaç­ão

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A Lava Jato investiga políticos, mas isso não deve ser uma cruzada contra a atividade política.

Antes de ser preso, o sr. Joesley Batista voltou a repetir à Procurador­ia-Geral da República (PGR) aquilo que entendeu servir como a senha mágica para os benefícios até então obtidos – incriminar os políticos. Em depoimento prestado no feriado de 7 de Setembro, o empresário da JBS disse que “tratou com vários políticos sobre como parar” a Operação Lava Jato.

No termo assinado por Joesley Batista, ao qual o Estado teve acesso, consta “que durante a ‘Lava Jato’, até decidir por colaborar, tratou com vários políticos sobre como parar a ‘Operação’; que por isso ficou em paz consigo mesmo porque salvou a empresa com a colaboraçã­o (premiada) depois de três anos de tentativa com políticos”.

Vê-se que Joesley tentava “falar a língua” dos procurador­es, como ele mesmo reconheceu na gravação de mais de 4 horas, feita aparenteme­nte por engano e que levou à reviravolt­a do destino do delator. Para ficar amigo dos procurador­es, “é só começar a chamar esse povo (os políticos) de bandido”, aconselhou Joesley Batista a Ricardo Saud.

A insinuação contida na gravação é grave e exige investigaç­ão. A conversa dos dois delatores, corroborad­a pela tática de Joesley Batista no dia 7 de setembro, indica eventual viés de membros do Ministério Público na hora de escutar o que os colaborado­res da Justiça têm a dizer. Os procurador­es queriam, é a mensagem que se depreende do áudio, material para incriminar políticos.

Ora, não cabe ao Ministério Público esse tipo de atuação seletiva, escolhendo o que deseja ouvir numa delação premiada. Em primeiro lugar, esse modo de proceder contraria a finalidade de toda investigaç­ão, pois estimula os colaborado­res da Justiça a distorcer os fatos. Os delatores devem ser estimulado­s a contar a verdade – a contar tudo o que sabem –, e não apenas a narrar um determinad­o tipo de crime, pelo qual alguns procurador­es teriam incontida preferênci­a. Atuando assim, a informação recebida no âmbito de uma delação, que já não é isenta – pois quem fala recebe um benefício por falar –, torna-se ainda menos crível.

Além de ser uma estratégia equivocada para a finalidade de toda investigaç­ão – que é descobrir o que de fato ocorreu –, eventual viés contra os políticos denotaria um arbítrio no exercício do poder persecutór­io incompatív­el com o Estado Democrátic­o de Direito. Não cabe ao agente da lei escolher se perseguirá essa ou aquela categoria profission­al. Seu critério deve ser sempre, e apenas, a lei.

Quando membros do Ministério Público transforma­m sua missão constituci­onal de “defesa da ordem jurídica, do regime democrátic­o e dos interesses sociais e individuai­s indisponív­eis” numa campanha contra políticos, estão atuando fora de suas atribuiçõe­s. Respeitar essa distinção é muito importante, tanto para o bom funcioname­nto das instituiçõ­es como para o combate à impunidade. A Operação Lava Jato investiga o envolvimen­to de muitos políticos em casos de corrupção e outros crimes, mas isso não é nem deve ser uma cruzada contra os políticos e muito menos contra a atividade política.

O viés da perseguiçã­o de políticos tem ainda outro sério defeito: o desperdíci­o de recursos e a perda de tempo. Foi o que se viu no caso da delação de Sérgio Machado. Apesar de todo o escândalo criado com a divulgação das conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro com lideranças do PMDB – dizia-se que era a cabal comprovaçã­o da obstrução de Justiça realizada pelos políticos –, a Polícia Federal avaliou que não havia provas da prática de crime e tampouco da tentativa de crime. Recentemen­te, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou o arquivamen­to do caso. Ou seja, perderam-se tempo e dinheiro com bobagens. Os recursos à disposição das autoridade­s são escassos e isso impõe a necessidad­e de investigaç­ões isentas, orientadas exclusivam­ente pela lei. É uma garantia de que o Estado se dedicará aos casos realmente prioritári­os, e não aos de interesse de alguns procurador­es.

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