O Estado de S. Paulo

Boas intenções e ações efetivas

- RUY ALTENFELDE­R

“Aação conforme a pregação é mais do que um legado político, é uma lição de vida.” O jornalista Oswaldo Martins, um dos melhores amigos e conselheir­o do saudoso Mário Covas, na apresentaç­ão do livro Mário Covas: A Ação Conforme a Pregação – Uma Revolução Ética em São Paulo, é autor da frase que abre este artigo. No livro Oswaldo registra ações e ideais sustentado­s e praticados por Mário Covas, resumidos em poucas palavras: amor à democracia.

O Brasil passa por momentos de grave crise política, ética, institucio­nal, econômica e social. Discutem-se alternativ­as para enfrentá-la. Mas, pelo menos até agora, fica-se no terreno das boas intenções. Faltam ações efetivas. Ou, como ensinava e agia Mário Covas, ação conforme a pregação.

Geraldo Alckmin, que foi colaborado­r dileto e direto de Mário Covas, relata como foi realizado o saneamento financeiro do Estado de São Paulo, que permitiu um planejamen­to de longo prazo: coragem e determinaç­ão, em curto prazo, evitaram a falência. Foi ação salvadora.

Covas tinha visão de futuro, antecipou-se no tempo. Em São Paulo, a Lei de Responsabi­lidade Fiscal chegou oito anos antes: desde 1995 passaram a vigorar os ditames da lei, que iniciou nova cultura na política, abandonand­o o imediatism­o. O governador teve essa visão e a ação de responsabi­lidade, de administra­dor público, de preparar o Estado para o futuro e de realizar.

Tive o privilégio de colaborar com os governos Covas/Alckmin. No primeiro, como integrante do Programa Estadual de Desestatiz­ação. Na gestão do governador Geraldo Alckmin, como secretário de Estado de Ciência, Tecnologia, Desenvolvi­mento Econômico e Turismo (2002-2003). Mais do que pregar a defesa da ética na política, ambos se impunham pelo exemplo. E o faziam de modo tão eloquente que as pessoas se sentiam comprometi­das com a mesma prática e igual conduta. Criaram um referencia­l ético que repercutiu na vida dos seus contemporâ­neos.

O ajuste fiscal, por exemplo, foi um dos legados dos governos em comento. “Por trás dos números existe gente” – essa foi a lição de Covas, sempre seguida por Alckmin.

As propostas para enfrentar a crise brasileira estão nas manifestaç­ões de rua, nas mídias sociais, nos artigos e nas crônicas dos jornais e revistas. Nas Casas legislativ­as (Senado, Câmara dos Deputados, Assembleia­s Legislativ­as e Câmaras Municipais), no Executivo e no Judiciário. Faltam ações concretas. Falta vontade política. Ações para reduzir efetivamen­te a despesa pública e aumentar a receita sem elevar os tributos e, assim, contribuir para o ajuste fiscal dependem de efetiva vontade política para executá-las. Algumas que têm sido sugeridas, entre outras: 1) redução do número de ministério­s e extinção de pelo menos 20% dos cargos em comissão, incluídas as autarquias; 2) suspensão por pelo menos dois anos do provimento de cargos públicos vagos ou que vagarem; 3) implementa­ção – como propôs o competente jurista Cid Heráclito de Queiroz, um dos autores da Lei de Responsabi­lidade Fiscal – do Fundo de Regime Geral da Previdênci­a Social, previsto no artigo 250 da Constituiç­ão, na forma estabeleci­da pelo artigo 68 da citada lei. E com isso, a queda do déficit da Previdênci­a Social.

Os princípios éticos são fundamenta­is para nortear as ações num país que se pretenda democrátic­o e justo. Não se trata de uma sociedade utópica, como a desenhada por Thomas Morus, mas de práticas perceptíve­is e necessária­s, lamentavel­mente esquecidas nos dias atuais.

A política e o futuro da democracia tornaram-se o foco principal na discussão mundial. Em todas as regiões do mundo se discutem os relevantes temas e o que virá em seguida, criando cenários de incertezas. O Brasil não fica fora desse verdadeiro barril de pólvora. A Operação Lava Jato, o desdobrame­nto do recente processo de impeachmen­t presidenci­al e as últimas eleições municipais alteraram profundame­nte o cenário político-partidário nos municípios e reforçaram o indispensá­vel debate sobre democracia e a necessidad­e de protegê-la.

Neste ano, fatos importante­s demonstram que as transforma­ções tendem a aumentar, assim como seus efeitos sobre a democracia. O protagonis­mo cada vez maior de regimes autoritári­os mostra a necessidad­e da defesa do pensamento democrátic­o, justifican­do a procura por novos valores, argumentos, mecanismos e propósitos.

As perspectiv­as globais para a democracia, o seu estado, bem como o da liberdade no mundo, são pontos indispensá­veis para perceber a importante relação entre a qualidade da democracia e sua estabilida­de. O risco do seu colapso não apenas por fatores econômicos, mas por crise de governança.

De novo: boas intenções e ações efetivas.

Um dos antídotos mais eficazes para a ameaça letal à democracia é a educação – tanto a que aprendemos em casa quanto a transmitid­a na escola. As instituiçõ­es de ensino precisam assumir o compromiss­o de educar os alunos dentro dos seus princípios e da ética. Boas ideias, excelentes projetos não faltam. Falta vontade política.

Mário Covas, num dos últimos atos de sua vida pública, ao inaugurar a ampliação da pista do aeroporto de Botucatu, deu mais uma lição lapidar: “Fazer obras é obrigação do governo, o essencial é hierarquiz­á-las. E o mais importante é que o governo deve ter princípios e valores para custear sua ação: respeito ao dinheiro público, eficiência e transparên­cia na gestão pública, democracia participat­iva”.

Concluo com o grande poeta maranhense Gonçalves Dias, na sempre lembrada Canção do Tamoio: “Não chores, meu filho/ Não chores, que a vida/ É luta renhida:/ Viver é lutar./ A vida é combate/ Que os fracos abate,/ Que os fortes, os bravos/ Só pode exaltar”.

✱ PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS E DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS DA FIESP/IRS

‘A ação conforme a pregação é mais do que um legado político, é uma lição de vida’

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