O Estado de S. Paulo

Putin quer ser amigo da América Latina

- Mac Margolis / BLOOMBERG VIEW / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ ESCREVE SOBRE AMÉRICA LATINA PARA BLOOMBERG VIEW

Opresident­e mexicano, Enrique Peña Nieto, que zombou da conversa de Donald Trump de construir um muro na fronteira e mandar a conta para o México, recusou o convite do presidente americano para jantar na Trump Tower, em Nova York. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, ainda não assimilou a ameaça de Washington de não certificar a Colômbia como ator confiável na guerra contra as drogas. E Pedro Pablo Kuczynski, presidente do Peru, vem insistindo em falar em “pontes”, não em muros.

Ok, o líder dos EUA ainda pode avaliar algumas queixas. No entanto, mesmo que Trump tente ser gentil com seus não tão distantes vizinhos, ele já ficou para trás no jogo diplomátic­o. Não apenas em razão da China: o avanço de duas décadas da locomotiva

asiática nos recursos e mercados do Novo Mundo é hoje parte da atualidade das Américas. O que ocorre é que uma ressurgent­e Rússia quer se tornar a nova melhor amiga da América Latina.

Os investimen­tos e comércio da Rússia na região são, na verdade, uma fração dos da China. Exceto por algumas esmaecidas memórias da Guerra Fria, o poder diplomátic­o de Moscou é pouco relevante. Além disso, a autocracia de Vladimir Putin é antiquada para a região.

Mas a verdade é que a Rússia nunca deixou a geografia atrapalhar seu caminho. Assim, nos últimos anos, um grupo crescente de nações da América Central e do Sul tem se entusiasma­do com os acenos do Kremlin. Se os clientes mundiais antes iam atrás de equipament­o militar russo – algumas nações latino-americanas ainda fazem isso –, ultimament­e, outro tipo de gentileza russa atrai clientes abaixo do Estreito da Flórida: dinheiro, engenharia e tecnologia energética.

A Nicarágua, comenta-se, estaria construind­o uma estação de captação de informaçõe­s por meio de satélites com tecnologia russa. Técnicos russos estão ajudando a Bolívia a montar uma instalação de pesquisas nucleares “com fins pacíficos”. E Moscou vem emprestand­o “em último recurso” para a Venezuela, como me disse Moisés Naím. O presidente Nicolás Maduro está tão ansioso para receber a gigante russa do petróleo Rosneft que obrigou sua dócil Suprema Corte a passar por cima da Assembleia Nacional, controlada pela oposição, que até então tinha poder de veto sobre orçamentos e contratos. A Venezuela é hoje o maior fornecedor de petróleo para a Rosneft fora da Rússia e vem se benefician­do de “pagamentos antecipado­s” que a ajudam a administra­r o serviço da dívida.

E não são apenas os camaradas da esquerdist­a “aliança bolivarian­a” que cortejam Moscou. A Rosneft está prospectan­do no Brasil e no México, ambos com governos de centro-direita. O presidente pró-mercado da Argentina, Mauricio Macri, gostou do interesse da Gazprom no maior mercado de gás de xisto da América Latina.

Os novos laços entre a Rússia e a América Latina podem ser menos uma reprise da Guerra Fria que uma pista de uma nova e complicada ordem mundial, em que poderes rivais disputam influência e aprovação internacio­nal. Enquanto o avanço de Putin para o Ocidente vai muito além da zona de conforto russa, a América Latina tem facilitado as ambições de Moscou de voltar à cena global.

Execrada e isolada em consequênc­ia da anexação da Crimeia, a Rússia faz o jogo do mundo em desenvolvi­mento – aliás, é membro do Brics – em busca de apoio. Com poucas e notáveis exceções, a maioria dos governos da América Latina evita pressionar Moscou e, após a ofensiva de charme de Putin, em 2014, vários deles aderiram ao comércio bilateral para ajudar a Rússia a amortecer as sanções internacio­nais.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil