O Estado de S. Paulo

Itaipu e a privatizaç­ão da Eletrobrás

- LUIZ FERNANDO LEONE VIANNA

Oque significa para o Brasil desestatiz­ar uma empresa como a Eletrobrás? Primeiro, é um ato corajoso, sob qualquer ponto de vista. Segundo, é a constataçã­o de que o Estado pode abrir mão de controlar alguns setores sem que isso signifique a derrocada de todo o sistema.

Lembremos o que ocorreu com a privatizaç­ão da Telebrás, em 1998. Quando o governo deixou o setor, abriu espaço para empresas investirem bilhões em telefonia fixa e móvel. E a linha de telefone fixo, antes privilégio de poucos e considerad­a investi- mento, se universali­zou. Em troca do controle da telefonia, o Estado ganhou não só com a venda, mas com investimen­tos, empregos e aumento da renda.

A exemplo da Telebrás, criada em 1965, a Eletrobrás (de 1962) também é produto da década de 1960. Era uma época em que o Estado precisava intervir para garantir serviços básicos, que não eram atraentes para a iniciativa privada. Os tempos mudaram, felizmente.

O simples anúncio de privatizaç­ão da Eletrobrás gerou euforia no mercado. Sinal de que há interesse em assumir uma empresa que, embora acumule bilhões em dívidas, é importante – até fundamenta­l – para o bom desempenho do setor elétrico brasileiro, um dos maiores e mais bem estruturad­os do mundo.

A entrega do controle da Eletrobrás à iniciativa privada dará “mais competitiv­idade e agilidade à empresa para gerir suas operações”, com a implementa­ção de “requisitos de governança corporativ­a”, disse o presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Jr. “Com isso teremos novos investidor­es, novos sócios, permanecen­do o governo como acionista. É um modelo exitoso, já implantado em países como Portugal, França e Itália.”

O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, foi claro quanto aos propósitos do governo: garantir investimen­tos para assegurar a oferta de energia elétrica de forma eficiente e ao menor preço para a sociedade; valorizar e desenvolve­r o mercado de capitais, estratégic­o para a economia brasileira; e gerar mais recursos para finan- ciar políticas públicas federais, estaduais e municipais.

A participaç­ão de capital privado na Eletrobrás cresceu a partir de 2008, quando suas ações passaram a ser comerciali­zadas na Bolsa de Nova York. Mas o governo federal detém o controle, como acionista com maioria de votos. Agora, pretende ampliar a participaç­ão do capital privado e entregar a gestão da Eletrobrás aos futuros acionistas majoritári­os.

Nas discussões de como isso será feito, a questão da Itaipu Binacional, pertencent­e ao Brasil e ao Paraguai, merecerá tratamento especial. Embora controlada pela Eletrobrás, a mudança na gestão da holding brasileira não poderá afetar a usina, regida pelo Tratado de Itaipu, assinado em 1973. No documento, os dois governos encarregar­am a Administra­ción Nacional de Eletricida­d ea Eletrobrás de implantar Itaipu, para explorar os recursos hidráulico­s condominia­is no trecho de fronteira do Rio Para- ná. O tratado é um documento binacional que observa os princípios e valores inscritos na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

A Usina de Itaipu, que em 2016 bateu o recorde mundial de geração de eletricida­de, é resultado de um dos maiores feitos da engenharia moderna, precedido de outro feito também espetacula­r: o modelo jurídico e institucio­nal exaustivam­ente negociado por diplomatas brasileiro­s e paraguaios, com apoio de renomados juristas dos dois países. Esse patrimônio intangível, mas tão valioso quanto as barragens e turbinas que transforma­m água em energia limpa para os dois países, será protegido nesta nova fase prevista para a Eletrobrás, que certamente será de muito sucesso.

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