O Estado de S. Paulo

Sr. Bossa Nova

Artista dos mais relevantes da música brasileira marca seu aniversári­o no palco

- Julio Maria

Roberto Menescal celebra, no palco, seus 80 anos.

Roberto Menescal está prestes a completar 80 anos de idade. Seu nome é obrigatóri­o quando se fala em bossa nova. Menesca, como o chamava Tom Jobim, é uma espécie de discípulo conjugado de João Gilberto e do próprio Jobim, com sofisticaç­ão harmônica e um apuro melódico que o transforma­ram em professor de violão de muita gente que começou ali a querer ser músico também.

Uma série de shows tem marcado a chegada de Menescal aos 80. A etapa paulistana da temporada batizada Dias de Luz, Festa de Sol vai de hoje a domingo, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no centro. Ao mesmo tempo, um CD mais DVD e um livro biográfico estão sendo produzidos, ainda sem data de lançamento.

Mais homenagem. A Associação Brasileira de Música e Artes, Abramus, que tem Menescal como um de seus afiliados, vai também lembrar da importânci­a de sua obra. Um militante por causas relacionad­as aos direitos autorais, o músico foi nomeado presidente da nova gestão da entidade, que tem como outros diretores artistas como Danilo Caymmi, Dudu Falcão, Daniel Carlomagno, Roberto Frejat (novo membro da diretoria) e Mariozinho Rocha (que exerce função de direção artística desde o começo de 2017).

Dono de uma linguagem elegante em seu i nstrumento maior hoje, a guitarra, Menescal tem uma grande lista de serviços prestados a cantores e compositor­es brasileiro­s. Como homem de apoio de Elis Regina desde o final da década de 1960, foi quem garimpou na casa de Tom Jobim a música Águas de Março para o repertório de Elis. Foi quem ajudou também a contraband­ear Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho, de um disco de Beth Carvalho para o de Elis, em 1973. “Quando trabalho para uma cantora, faço tudo para aquela cantora. Com o perdão de Beth Carvalho, eu tive de fazer aquilo”, disse ele, anos depois.

Sua lista de canções, mais do que em obras de outros bossa novistas, faz o sol nascer em versos como “Rio que mora no mar / Sorrio pro meu Rio / Que tem no seu mar / Lindas flores que nascem morenas / Em j ardins de sol” ( Rio, parceria com Ronaldo Bôscoli) ou “Você, manhã de todo meu / Você, que cedo entardeceu / Você, de quem a vida eu sou / e sei mas eu serei / Você um beijo bom de sol / Você em cada tarde vã / virá sorrindo de manhã...” ( Você, também com Bôscoli).

Alguns anos depois que o pai de Roberto Menescal morreu, uma espécie de diário foi encontrado em seus pertences. Ele dizia para os irmãos cuidarem da ovelha desgarrada que não largava o violão. Estava preocupado com o salário do garoto que queria tanto ganhar a vida com música naqueles anos 1950. Quem sabe não o convenciam a ser um engenheiro?

A lembrança faz Menescal sorrir. “Ele devia dizer o contrário, o músico é quem ajudaria os irmãos”, brinca. A música vingou na vida de um artista que esteve em muitos pontos-chave das revoluções culturais pós-era do rádio. Menescal levava o violão para o apartament­o de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Estava lá quando tudo surgiu, ao lado de Tom Jobim, Carlos Lyra, Vinicius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Luiz Eça, Luiz Carlos Vinhas, Bebeto Castilho, Hélcio Milito, Eumir Deodato, Oscar Castro Neves, Edison Machado, Wilson das Neves, Antônio Adolfo, João Donato, João Gilberto, Elis Regina.

Ao chegar aos 80 anos, que serão arredondad­os em 25 de outubro, Menesca, como ficou conhecido, sai em temporadas por São Paulo, Rio e Brasília, com uma série de convidados que estarão a serviço de canções que fizeram parte de sua história. “Não serão necessaria­mente músicas minhas, mas aquelas que marcaram essa trajetória”, ele diz. Depois de concluir uma temporada em Brasília, de 8 a 10 deste mês, ele fica de hoje (21) a domingo, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), passando sua história a limpo. Hoje, às 13h, se apresenta com Ivan Lins e Leila Pinheiro. Amanhã, às 20h, chama Simoninha e Sabrina Parlatore. No dia 23, sábado, no mesmo horário, estará com o saxofonist­a Leo Gandelman e os cantores Lula Galvão e Cris Delanno. E, no domingo, 24, terá duas gerações de bossa novistas no palco, Marcos Valle e Fernanda Takai (sim, seu canto pode ser considerad­o daquela mesma escola).

A importânci­a da geração de Menescal, vista muitas vezes como aquela que elaborou uma linguagem respeitáve­l porém datada, vai além de banquinhos e barquinhos. Logo depois da chegada de João Gilberto às rádios, em 1959, com a gravação de seu LP Chega de Saudade, o efeito bossa nova teria implicaçõe­s dentro e fora do Brasil. Aqui, os músicos migravam seus talentos para a criação de canções em um formato de excelência harmônica, canto retraído e poética bucólica tendo a zona sul do Rio de Janeiro como cenário. Lá fora, o mundo conhecia não mais o Brasil exótico, mas uma potência cultu- ral. Até então, norte-americanos e europeus faziam uma grande confusão com a imagem e o ritmo de Carmen Miranda, misturando samba a calipso ou chá chá chá como se fosse tudo música do mesmo balaio.

Menescal coloca mais um feito em sua conta. “Foi essa nossa geração que mostrou que os jovens classe média dos apartament­os do Rio poderiam fazer uma música relevante.” Sim, até então a produção popular legitimada estava, sobretudo, nas mãos dos grandes sambistas das esferas mais abaixo dos apartament­os da Avenida Atlântica. Noel Rosa, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho, Cartola, Wilson Baptista. Havia duas décadas que Luiz Gonzaga saíra do sertão de Exu, em Pernambuco, para espalhar seu baião pelo País. O Brasil reconhecia-se na música caipira, no choro, no sambacançã­o e no folclorism­o que brotava do chão. Os bossa novistas mudaram o eixo social da criação e colocaram o Rio de Janeiro em um estágio de musa inspirador­a como não teria em nenhum outro momento da MPB.

Violonista de uma época em que as seis cordas eram esconderij­o de desocupado­s e, mais tarde, guitarrist­a em uma era em que instrument­os ligados na tomada eram símbolo do imperialis­mo cultural norte-americano, Menescal diz que jamais sentiu olhares tortos em sua direção, nem quando dirigiu o grupo que acompanhav­a Elis Regina. “Jamais senti isso, acho que havia um respeito ao que fazíamos ali.”

Depois de assinar mais de 400 canções, muitas em parceria com Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Aldir Blanc, Chico Buarque e João Donato, Menesca acompanhar­ia outro momento importante ao se estabelece­r como diretor musical e artístico da gravadora Polygram a partir de 1970, vendo surgir ou dando forma a discos de Raul Seixas, Elis, Caetano e Gil. Com estúdio próprio, ele segue olhando para artistas jovens que o contratam para produções e em shows de bossa nova, sobretudo no Japão, o único país do mundo onde a Bossa Nova nunca ficou datada.

Além dos shows, ele produz ainda um CD e um DVD para ser lançado até o final do ano, com artistas interpreta­ndo suas canções, como Ney Matogrosso e Fernanda Takai. Suas muitas histórias devem ser lançadas em formato biografia pela prima Claudia Menescal.

DIAS DE LUZ, FESTA DE SOL CCBB. Rua Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651. 5ª (21), às 13h; 6ª (22), sáb. (23), e dom. (24), às 20h. R$ 10/R$ 20.

 ?? FABIO MOTTA/ESTADÃO ??
FABIO MOTTA/ESTADÃO
 ?? FABIO MOTTA/ESTADÃO ?? Em casa. Roberto Menescal em seu quintal, na Barra da Tijuca
FABIO MOTTA/ESTADÃO Em casa. Roberto Menescal em seu quintal, na Barra da Tijuca
 ?? ARQUIVO PESSOAL ?? Turma. Tom Jobim, Vinicius, Ronaldo Bôscoli, Menescal e Carlos Lyra
ARQUIVO PESSOAL Turma. Tom Jobim, Vinicius, Ronaldo Bôscoli, Menescal e Carlos Lyra

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil