O Estado de S. Paulo

Parecer contra o presidente

Ex-procurador-geral da República afirma que novo Grupo de Trabalho da Operação Lava Jato não ameaça investigaç­ões

- EDUARDO KATTAH /

Pouco antes da sessão de ontem, a nova procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, encaminhou memorial aos ministros do Supremo no qual se posicionou contra o pedido dos advogados de Temer.

Responsáve­l pela denúncia do mensalão, o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza disse não ver risco para a investigaç­ão da Lava Jato nas mudanças no Grupo de Trabalho da operação promovidas pela nova chefe do Ministério Público Federal, Raquel Dodge. Antonio Fernando, que completou ontem 69 anos, deixou a PGR em setembro de 2009. Ao Estado, ele afirmou que a rescisão do acordo de delação de Joesley Batista e Ricardo Saud revela “falha” do ex-procurador-geral Rodrigo Janot.

As mudanças no Grupo de Trabalho da Lava Jato podem compromete­r as investigaç­ões? Todas as pessoas escolhidas o foram certamente pela afinidade que ela ( Raquel Dodge) tem com o trabalho delas e pela competênci­a que exercem. As pessoas que estavam auxiliando o procurador-geral que saiu tinham uma afinidade com o trabalho dele. Eles não têm direito algum de permanecer ali. Pelo nomes que eu conheço, é gente da maior qualificaç­ão. Eu não vejo nenhum risco nessa mudança, a sociedade pode ficar tranquila. Quem assume o cargo de procurador-geral da República não está ali para su- jar a sua biografia e limpar a dos outros.

Como viu a sucessão na Procurador­ia-Geral da República? Essa é a primeira vez que se tem uma transição mais profunda. Quando eu fui procurador-geral por quatro anos o meu vice ( Roberto Gurgel) foi nomeado procurador-geral. Ele já participav­a de tudo o que se fazia, então foi muito natural. O Gurgel também não teve nenhuma dificuldad­e quando o Rodrigo foi escolhido. Agora é que parece que houve um acirrament­o, mas o fato de não ter havido essa transição tão amigável não altera nada.

A imagem do MPF sai arranhada por causa dos últimos acontecime­ntos envolvendo a delação da J&F?

Quem exerce o cargo de procurador-geral é o único responsáve­l pelas atribuiçõe­s legais e constituci­onais. A condução que foi dada, independen­te se houve assessoria ou não, a responsabi­lidade é só do procurador-geral. Não se pode transferir para outro a responsabi­lidade que é só dele. Ele deve ter achado que agiu correto. Agora, quem vê de fora, aí estou falando com base no comentário­s da imprensa, pode fazer questionam­entos. Se você não obteve o sucesso que desejava no acordo que se fez, revela uma falha em alguma medida. Essa é a avaliação que eu faço. Por isso que esses acordos têm de ser muito bem feitos. Um acordo leva muito tempo para ser feito e tem de levar muito tempo. São muitas questões complexas que envolvem essa relação. Quando não se adota todas as providênci­as furos podem ocorrer.

O sr. defendeu o Eduardo Cunha, que tenta uma colaboraçã­o premiada. Como avalia a utilização do instrument­o na Lava Jato? Em relação ao Cunha eu não tenho nenhum contato, nunca mais tive. Encerrei a minha participaç­ão como advogado e não examinei mais nada dele. A delação premiada é um instrument­o importante de investigaç­ão. Agora acho que está banalizado porque não é possível numa demanda que todos sejam delatores. Isso é uma disfunção do instrument­o. É importante, mas também tem de ser utilizado com muita cadência para que haja, por um lado, um proveito da sociedade com a descoberta de fatos que de outra forma não seriam revelados, mas também que ele dê equilíbrio na administra­ção da Justiça em relação aos outros. Se todo mundo for delator aí a Justiça fica em parte prejudicad­a. É um instrument­o que tem de ser usado com prudência. O que não exclui o que é mais importante: investigaç­ão é investigaç­ão, não é conversa fiada de ninguém. É prova, é documento, só palavra não vale nada.

 ?? DIDA SAMPAIO/ESTADÃO ?? PGR. O ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO PGR. O ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil