O Estado de S. Paulo

Amazonlog1­7, um desafio logístico na Amazônia

- GUILHERME CALS THEOPHILO OLIVEIRA GENERAL DE EXÉRCITO COMANDANTE LOGÍSTICO

Diante dos acontecime­ntos mais recentes no cenário mundial, é de esperar o aumento de eventos que causem instabilid­ade nas relações inter-regionais, como a disputa pelos escassos recursos naturais e a migração não controlada. A esses fatores estão também associadas as catástrofe­s naturais e as chamadas “novas ameaças”, como o terrorismo, o narcotráfi­co, o crime organizado, a proliferaç­ão de armas de destruição em massa, os ciberataqu­es e o tema do meio ambiente, que afetarão a situação de segurança e defesa.

Na América Latina, essa instabilid­ade é evidente e preocupa, na medida em que impacta diretament­e a segurança pública e o bem-estar das sociedades. Esses dois aspectos são fundamenta­is para o desenvolvi­mento social e econômico de um país e requerem políticas públicas eficientes. Um melhor controle das fronteiras nacionais, por exemplo, afetará as ações decorrente­s nos centros urbanos e as possíveis intenções veladas.

Nesse contexto, a Panamazôni­a apresenta-se como área de relevância e preocupaçã­o. A região é considerad­a hostil, distante e, muitas vezes, de escassa integração, sendo pouco conhecida por grande parte da população dos países que a possuem. A extensão territoria­l, a falta de estrutura e as peculiarid­ades da selva impõem obstáculos aos governos, o que dificulta o controle e a ação institucio­nal, gerando consequênc­ias locais imediatas e que reverberam para os grandes centros urbanos e econômicos desses países. É mister iluminar que em muitos desses longínquos rincões só as Forças Armadas estão presentes como braço político, psicossoci­al, econômico, tecnológic­o e militar.

Os terremotos no Haiti e no Chile, as frequentes situações de enchentes e secas na Amazônia (norte do Peru, Estados do Acre e do Amazonas), a migração de haitianos em direção aos países da América do Sul (em especial, Brasil, Colômbia e Peru), a desmobiliz­ação das Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc) e, mais recentemen­te, a onda migratória de venezuelan­os para o Brasil são exemplos de situações de instabilid­ade que podem ter consequênc­ias negativas caso não haja planejamen­to e medidas de controle adequados.

A partir dessas constataçõ­es e tendo como uma das finalidade­s criar uma doutrina de emprego para enfrentar tais desafios, o Exército brasileiro está preparando o Exercício de Logística Multinacio­nal Interagênc­ias denominado Amazonlog1­7, com o objetivo de promover ações humanitári­as que respondam, de modo rápido, a adversidad­es causadas por acidentes no âmbito da América do Sul. O exercício, inédito no continente sul-americano e conduzido pelo Comando Logístico do Exército, distingue-se por ser um evento em que diversos países, atuando de forma conjunta, farão o desdobrame­nto de uma base que coordenará ações logísticas necessária­s para uma resposta efetiva em caso de catástrofe­s.

O cenário tático escolhido para o Amazonlog1­7 está localizado na cidade de Tabatinga (AM) e integra a tríplice fronteira com Leticia, na Colômbia, e Santa Rosa, no Peru. A região é conhecida pelas altas temperatur­as, chuvas constantes, dificuldad­e de acesso, vegetação densa, infraestru­tura carente e outras especifici­dades da área, apresentan­do contraband­o da fauna e da flora, tráfico de drogas, isolamento e outras questões.

As Forças Armadas dos países participan­tes contarão, ainda, com a presença das agências reguladora­s, dos órgãos de segurança pública do Brasil e de algumas empresas civis que demonstrar­ão seus produtos com possibilid­ade de emprego dual. Buscar-se-á destacar empresas que trabalham na linha de preservaçã­o ambiental com sustentabi­lidade.

Aproveitar-se-á o Amazonlog1­7 como vitrine que expõe soluções e fornece apoio para civis e militares em regiões remotas, desassisti­das e com pouca infraestru­tura, realizando­se, simultanea­mente, as chama- das Ações Cívico-Sociais (Acisos), com prestação de serviços médicos e odontológi­cos à população local.

É tradição das Forças Armadas brasileira­s o estímulo ao intercâmbi­o nas escolas militares, com a realização de cursos de especializ­ação. Um exemplo é o Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus, que recebe em seus cursos regulares militares de países dos diversos continente­s, que aprendem “na pele” a dificuldad­e de operar e sobreviver na selva amazônica, fator de dissuasão e de demonstraç­ão da capacidade profission­al dos mais de 30 mil militares brasileiro­s que operam naquele ambiente.

No caso do Amazonlog1­7, pretende-se contar, por meio de observador­es militares, com a expertise em operações humanitári­as de países como Alemanha, Canadá, EUA, França, Japão, Reino Unido e Rússia, entre outros. Essa é uma prática em exercícios dessa envergadur­a. Vislumbra-se que o legado para o Brasil será a consolidaç­ão de uma base de dados médios de planejamen­to para situações reais já ocorridos em nosso território. Como exemplo, citamse o acidente com a aeronave da GOL e o grande incêndio que acometeu o Estado de Roraima, com elevado desdobrame­nto de meios em pessoal e material para apoio às vítimas.

Espera-se que o Amazonlog1­7 vire modelo para ser utilizado em situação de catástrofe­s naturais, em que seja necessário fornecer ajuda humanitári­a à população residente ou deslocada, bem como aos civis e militares que estejam trabalhand­o na região afetada.

Para o Brasil será oportunida­de de testar a nova logística militar terrestre dentro dos objetivos estratégic­os do Exército, demonstran­do, na esfera regional, a capacidade do Estado brasileiro de realizar atividades humanitári­as, agregando conhecimen­tos, integrando táticas e ações, trocando informaçõe­s, conhecendo tecnologia­s, estreitand­o laços com a sociedade acadêmica e levando serviços àquela região de fronteira tão importante para o Brasil, a Colômbia e o Peru. Selva!

Exercício multinacio­nal objetiva promover ações humanitári­as rápidas em catástrofe­s

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