O Estado de S. Paulo

Jornal rebaixa USP em avaliação de ensino

- ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Na última segunda-feira a Folha de S. Paulo publicou seu Ranking Universitá­rio Folha (RUF), num suplemento intitulado UFRJ é a melhor do país. E no subtítulo acrescento­u: “Unicamp ultrapassa USP e conquista o 2.º lugar”. Assim a Universida­de de São Paulo ficou em terceiro entre 195 universida­des.

O RUF envolve cinco aspectos: ensino (E), pesquisa (P), mercado (M), inovação (Ino) e internacio­nalização( Int).P ara chegarà avaliação final, tais aspectos recebem a seguinte ponderação: E ,32%; P ,42%; M ,18%; Ino, 4%; e Int, 4%. Em cada caso, o conteúdo se explica por seus nomes, exceto M. É aposição no mercado de trabalho, com opinião dada por 5.793 profission­ais de recursos humanos consultado­s pelo Datafolha em 2015, 2016 e 2017 sobre preferênci­as de contrataçã­o.

Passando às notas vi que a USP fi caem primeiro e mP,Me Ino, ou seja, em três dos cinco aspectos, e em segundo em Int. Nema Universida­de Federal do R iode Janeiro( UFRJ) nema Unicamp têm posições melhores ou iguais às da USP nesses quatro aspectos. Contudo aposição da USP e mE foi anona (!). A qualidade do ensino na USP mereceria mesmo essa nota?

A avaliação dessa qualidade cobriu quatro aspectos e ponderaçõe­s: pesquisa com docentes (22%), professore­s com doutorado e mestrado (4%), professore­s em dedicação integral e parcial (4%) e nota no Enade, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, de graduação (2%).

Achei estranho juntar professore­s em dedicação integral e parcial. Em geral, a maior presença dos primeiros melhora o nível de ensino, entre outras razões, pela maior atenção aos estudantes, inclusive na oferta de estágios. Mas isso não tem efeito entre as primeiras colocadas, em que predomina o ensino em dedicação integral.

Passando à nona posição da USP em qualidade do ensino, examinei no site do RUF ( ruf.folha.uol.com.br/2017) os resultados dos quatro critérios envolvidos e vi que, apesar dessa má posição, ela teve dois primeiros lugares, um na dedicação de tempo dos professore­s e outro na avaliação por docentes. E um terceiro lugar no de professore­s com doutorado e mestrado. Todas as oito universida­des com posição superior à da USP em qualidade do ensino receberam notas piores que ela nos quesitos de professore­s com mestrado e doutorado e na avaliação por docentes, e notas iguais na dedicação de tempo dos professore­s, que, como visto, é frágil na diferencia­ção de universida­des.

No site do RUF a nota da USP no Enade é indicada apenas por um traço (-), pois não participou do exame, e suspeitei estar no tratamento dessa ausência a origem da má avaliação dessa universida­de em qualidade do ensino. Confirmei isso ao ler no suplemento a matéria Líder em produção científica, a USP perde em ensino, de Sabine Righetti, colaborado­ra da Folha.

Esse título envolve dois equívocos. Primeiro, porque mais à frente no texto Sabine Righetti diz que a perda ocorreu apenas na forma como a Folha avaliou o resultado do Enade no caso da USP, e como já visto a avaliação do ensino não se limita a tal exame. Segundo, porque a avaliação que a Folha fez da USP nesse exame foi também equivocada, o que fica claro neste outro trecho da mesma matéria, em que é dito que a USP “(...) zera (ênfase minha) em um componente do RUF (...)”, as “(...) notas médias dos alunos nos últimos três Enade. (...) Como quem estuda na USP não faz o exame, a universida­de não recebe pontos nesse quesito” (ênfase minha).

Ora, esse trecho é contraditó­rio, pois diz que a USP não recebeu pontos nesse quesito, mas na avaliação da Folha teve zero, uma nota que não está nos resultados oficiais do mesmo exame, pois essa universida­de não participou dele.

E prossegue Sabine Righetti: “(...) Se tivesse a mesma nota média da Unicamp (...)” no Enade, “(...) a USP teria cerca de 1,5 ponto a mais na sua nota final – o suficiente para encabeçar o ranking. Para se ter uma ideia, o que separa a USP da lí- der, a UFRJ, é 0,18 ponto”. Notei também que a Unicamp participou do Enade, o mesmo ocorrendo com a Unesp, mas os resultados mostram que ambas e seus alunos tampouco levaram a sério esse exame, pois nele ficaram em 47.º e 49.º lugares, respectiva­mente, entre as que integram o RUF.

Como resolver o problema dessa ausência da USP no Enade, pois a forma como foi tratado pela Folha claramente viesou o resultado do RUF em prejuízo dessa universida­de? Uma saída seria reapresent­ar os resultados do RUF em duas versões, com e sem Enade, o que levaria a uma renovada e necessária discussão dos méritos e deméritos desse exame. Inclusive sobre o porquê de os estudantes da USP não participar­em dele e de a Unicamp e a Unesp tampouco demonstrar­em maior interesse pelos seus resultados.

Quanto à USP, não caberia contentar-se mesmo com essa reavaliaçã­o do RUF. Tem muitos problemas, como a escassez de recursos e a ausência de formação também interdisci­plinar nos seus cursos de graduação, tema sobre o qual tenho pesquisado. Isso quando as tendências do mercado de trabalho recomendam essa formação, aliás, já adotada há muitíssimo tempo por várias das melhores universida­des do mundo.

É nesse plano internacio­nal que a USP deveria mirar-se, e aí não se pode vangloriar de suas posições em rankings como o de Shangai, no qual, conforme o mesmo suplemento, neste ano apareceu entre o 151.º e 200.º lugar, depois de ficar cinco anos entre a 101.ª e a 150.ª posição. Ou, pior ainda, no ranking Times Higher Education, no qual este e no ano passado esteve entre a 251.ª e a 300.ª posição, depois de ser a 158.ª em 2012. Que tal formular e passar a executar um plano para levar a USP para mais perto das 50 melhores do mundo num período de dez anos?

“Raise the bar!” – ou levante a barra do salto em altura, como dizem os americanos. Para ser mais competitiv­a internacio­nalmente, é preciso ter metas mais exigentes.

Deu nota zero à Universida­de de São Paulo num exame do qual ela não participou

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