O Estado de S. Paulo

‘SILÊNCIO’, A REGRA ENTRE AS RUÍNAS

Gesto é usado pelos brigadista­s mexicanos para pedir que militares, voluntário­s e curiosos se calem ao redor de áreas afetadas pelo terremoto

- Carla Peralva CIDADE DO MÉXICO

No meio do caos, um punho é erguido no ar. Depois outro, e outro, e mais um. As mãos fechadas levantadas vão se espalhando pela multidão – e com elas vem o silêncio.

É o código que os brigadista­s mexicanos usam para pedir que militares, voluntário­s e curiosos se calem ao redor de uma das áreas afetadas pelo terremoto de 7,1 graus que abalou o México.

Quando as mãos fechadas são erguidas, os gritos que pedem por mantimento­s cessam, as conversas acaloradas perdem força, os avisos de megafone são interrompi­dos e a expectativ­a cresce. De ruídos apenas as muitas buzinas de carros e ambulância­s, indiferent­es ao trabalho, presos no trânsito caótico que se instalou na capital após o sismo.

A polícia, durante a noite seguinte ao tremor, aconselhav­a em alto-falantes que os morado- res deixassem uma mala pronta, com água e comida, e tomassem cuidado ao dormir – não ficar perto de janelas. Uma dica prática para reagir em caso de novos tremores é deixar objetos como chaves na ponta de um móvel, para ser alertado logo do tremor. O metrô funcionava parcialmen­te, com entrada gratuita. Com o trânsito parado, essa era a principal alternativ­a de transporte.

O silêncio é essencial para encontrar sobreviven­tes nos escombros de prédios – mais de 40 construçõe­s ruíram por conta do tremor até esta quarta. Na manhã de ontem, esse era o cenário próximo a um prédio na esquina das ruas Ayala e Tlalpa, no bairro de Portales. Um pedaço do edifício ruiu e havia vítimas, embora as autoridade­s não tenham detalhado o número. Duas mulheres com vida estavam nos escombros ontem à noite.

Dois temas permanente­s entre os que participav­am do resgate eram a coincidênc­ia de datas – o tremor ocorreu exatamente 32 anos após o terremoto que matou mais de 10 mil em 19 de setembro de 1985 –e a generosida­de da população. As autoridade­s organizara­m em alguns pontos turísticos da capital centros para receber alimentos, donativos e inscrever quem desejasse ajudar, mas não contavam com um “problema”. Havia voluntário­s em excesso.

Isso ocorreu diante do edifício que ruiu no bairro Portales, onde muitos foram redirecion­ados. A orientação em caso de “excesso” de voluntário­s é convencê-los a esperar e, assim, trabalhar em turnos, rendendo os que em algumas horas precisarão descansar. Psicólogas e paramédico­s esperam horas até poder ajudar efetivamen­te.

Victor Guillermo Corona Baptista, de 32 anos, era um dos voluntário­s. Engenheiro civil especializ­ado em estruturas metálicas, ele ajudou no tremor do dia 8, que matou 98 pessoas, indo para o sul do país. Ele formou com amigos um grupo de peritos que vai aos locais atingidos por terremotos.

No prédio de Portales, ele organizou ferramenta­s e se encarregou de conseguir pás, capacetes, mesas, lonas, pinos, lâmpadas, e o que mais fosse necessário. Cada vez que surgia um pedido do ponto de escavação, ele era o encarregad­o de achar o material. O que não havia disponível no lugar era comprado imediatame­nte por vizinhos.

Os voluntário­s se organizam em times especializ­ados. Há os que cuidam das ferramenta­s, os que fazem a comunicaçã­o com a Defesa Civil, os que cuidam de água e comida, os que buscam medicament­os, suturas e curativos. A enfermeira Monica Hurtado é vizinha do prédio e organizou na garagem um banquete para os socorrista­s, voluntário­s e parentes, que podiam consumir frutas, sanduíches e refrigeran­tes. Outros vizinhos seguiram a tradição mexicana de cozinhar e servir alimentos na rua, o lugar mais seguro para os mexicanos assustados por dois tremores em 12 dias.

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SÁSHENKA GUTIÉRREZ/EFE Sob escombros. Gesto de equipes de socorro, usado para pedir silêncio, é essencial para encontrar sobreviven­tes

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