O Estado de S. Paulo

Trump será capaz de superar seus rancores?

- León Krauze / W. POST / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É UM PREMIADO JORNALISTA AMERICANO

Na madrugada de 19 de setembro de 1985, um violento terremoto sacudiu a Cidade do México com uma força jamais sentida desde o tremor de 1957, que derrubou o Anjo da Independên­cia, um dos monumentos mais famosos da cidade, da sua coluna de quase 37 metros. Em 1985, a estátua dourada se manteve no alto, mas as consequênc­ias do terremoto foram devastador­as. Mais de 12 mil mexicanos morreram, segundo algumas estimativa­s.

Na terça-feira, exatamente 32 anos depois, outro violento terremoto fez estremecer a capital mexicana. Mais de 40 edifícios ruíram, as cenas atrozes exibidas pela internet eram a versão ao vivo de um filme apocalípti­co. No sul da Cidade do México, o sofri- mento foi quase insuportáv­el quando as autoridade­s confirmam o desmoronam­ento da escola Enrique Rébsamen, com dezenas de crianças mortas e outras desapareci­das.

Mas, em meio à escuridão dessa terrível tragédia, uma luz ainda brilha. Como em 1985, a solidaried­ade mexicana levantou um país mergulhado na violência e numa insatisfaç­ão social e política. Inúmeros voluntário­s se uniram aos socorrista­s na busca de pessoas sob os escombros e cidadãos foram para as ruas oferecendo água e alimento.

A solidaried­ade dos mexicanos diante de uma calamidade é bem conhecida em todo o mundo, especialme­nte nos EUA. Em 2005, quando da passagem arrasadora do Katrina, o governo mexicano enviou um comboio militar com 45 veículos e 200 homens para ajudar as vítimas do furacão, servindo 170 mil refeições e distribuin­do mais de 180 mil toneladas de suprimento­s aos necessitad­os. O México também enviou ajuda aos EUA após o furacão Harvey em agosto.

Infelizmen­te, horas depois desta tragédia no México, a solidaried­ade não é recíproca. O mais recente episódio ilustrando o comportame­nto moralmente condenável do governo de Donald Trump teve início há dez dias, quando outro terremoto importante atingiu o México, mergulhand­o Oaxaca e Chiapas na dor e no sofrimento. Levou uma semana para Trump se comunicar com o presidente do México, Enrique Peña Nieto, e oferecer suas condolênci­as, após um pedido de desculpas no Twitter pela gafe diplomátic­a. Na terça-feira, Trump encontrou tempo e energia para enviar um tuíte pedindo a Deus para abençoar a Cidade do México.

Mas nem sempre foi assim. Em 1985, o governo de Ronald Reagan rapidament­e expressou sua solidaried­ade e total apoio ao vizinho do sul. A primeira-dama Nancy Reagan viajou para a capital mexicana menos de uma semana depois. Ali, ela caminhou em meio aos escombros e conversou com socorrista­s e sobreviven­tes. Trouxe consigo um cheque de US$ 1 milhão de ajuda e uma carta do marido, na qual Reagan ex- pressava sua “simpatia e apoio” aos mexicanos no momento em que enfrentava­m com “grande força a tremenda tragédia”.

Já no final da sua visita, Nancy disse a jornalista­s que aquele dia fora uma experiênci­a muito comovente. “Tenho uma enorme admiração pelo povo mexicano e pelo que estão fazendo para se ajudarem. Somos bons vizinhos e sempre seremos.”

Trump deveria, ao menos uma vez, seguir o exemplo de Reagan e provar que, apesar de sua longa, injusta e pública confrontaç­ão com o México e os mexicanos, dos dois lados da fronteira, os anjos da guarda da América (e talvez o de Trump também) prevalecer­ão diante da tremenda tragédia. O preconceit­o xenófobo deve ter seu limite quando se trata de um sofrimento humano. A alternativ­a seria cruel e também pouco condizente com os valores e os padrões americanos.

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