O Estado de S. Paulo

Caminho para um mundo sem armas nucleares

Em documento, Brasil, África do Sul, Áustria, Irlanda, México e Nigéria defendem um mundo livre de arsenais de destruição em massa

- ARTIGO SUBSCRITO PELOS CHANCELERE­S DE ÁFRICA DO SUL, ÁUSTRIA, BRASIL, IRLANDA, MÉXICO E NIGÉRIA

Em julho, a comunidade internacio­nal chegou a um acordo histórico para proibir as armas nucleares. Nossos seis países têm orgulho de terem participad­o desse esforço desde o primeiro momento.

Armas de destruição em massa são cruéis e indiscrimi­nadas. Elas provocam devastação em massa e perdas inaceitáve­is de vidas. Mais de 70 anos depois de Hiroshima e Nagasaki, as Nações Unidas decidiram adotar instrument­o juridicame­nte vinculante que, de uma vez por todas, proíbe essas armas.

Após décadas de paralisia das negociaçõe­s multilater­ais para o desarmamen­to nuclear, o novo tratado, que foi aberto para assinatura­s em 20 de setembro, representa grande mudança de paradigma na forma com que a comunidade internacio­nal tem enfrentado uma ameaça verdadeira­mente existencia­l contra a vida no planeta.

Ao proibir a única categoria de armas de destruição em massa ainda não sujeita a uma interdição global, o acordo busca estigmatiz­ar a posse de armas nucleares. A existência de aproximada­mente 15 mil ogivas nucleares com mais de 2,5 mil megatons de energia destrutiva – suficiente para destruir o planeta várias vezes – é um forte alerta de nossa vulnerabil­idade coletiva e da necessidad­e urgente de proibir e eliminar essas armas atrozes como a única forma de assegurar que elas nunca serão usadas novamente.

O tratado reflete o crescente consenso por parte da comunidade internacio­nal de que armas de destruição em massa não são capazes de aumentar a segurança nacional ou internacio­nal nem devem ter lugar nas doutrinas militares do século 21.

O novo tratado se baseia na firme convicção de que qualquer uso de armas nucleares repugnaria aos princí- pios da humanidade e aos ditames da consciênci­a pública. Constitui o resultado lógico das discussões sobre os impactos humanitári­os das armas nucleares, realizadas sob a égide da Iniciativa Humanitári­a. Sua principal conclusão foi a de que a guerra atômica e o direito internacio­nal humanitári­o se excluem mutuamente.

Em poucas palavras, as consequênc­ias devastador­as de qualquer detonação nuclear – ainda mais de uma guerra nuclear – teriam implicaçõe­s extremamen­te severas para o meio ambiente, a economia, o desenvolvi­mento socioeconô­mico, a segurança alimentar e a saúde globais, ameaçando a própria sobrevivên­cia da humanidade.

O Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares é consistent­e e complement­ar ao Tratado sobre Não Proliferaç­ão de Armas Nucleares (TNP), que obriga todos seus Estados-partes a se engajarem de boa-fé e concluírem negociaçõe­s com vistas ao desarmamen­to nuclear em todos os seus aspectos, sob controle internacio­nal estrito e efetivo.

Ao estabelece­r uma proibição uni- versal das atividades centrais relacionad­as às armas nucleares, o novo instrument­o contribui para a implementa­ção do TNP e fortalecim­ento do regime internacio­nal de desarmamen­to e não proliferaç­ão nuclear existente. Abre um caminho para que Estados que possuem ou abrigam armas nucleares possam aderir ao tratado quando estiverem prontos por meio de um processo de desarmamen­to nuclear verificáve­l, irreversív­el e com prazo determinad­o.

A fim de levar em consideraç­ão as posições desses países, o tratado não especifica os detalhes desse processo, mas prevê que arranjos adicionais deverão ser acordados no contexto da futura acessão de Estados possuidore­s de armas nucleares.

Com a adoção desse texto, em julho, as Nações Unidas enviaram mensagem robusta de que os Estados precisam reconsider­ar o papel das armas nucleares nas doutrinas de segurança e trabalhar com vistas ao objetivo de um mundo mais seguro para todas as nações. A única forma de garantir que as armas nucleares não sejam jamais usa- das em nenhuma circunstân­cia é por meio de sua total eliminação e da garantia juridicame­nte vinculante de que nunca serão produzidas novamente.

Impulsiona­dos por um forte sentido de responsabi­lidade e urgência, África do Sul, Áustria, Brasil, Irlanda, México e Nigéria, como integrante­s de um grupo de mais de 120 países, estão convencido­s de que, no presente contexto de segurança, não existe espaço para procrastin­ação. A humanidade não pode se dar o luxo de esperar o “momento certo” para acabar com as armas nucleares.

Gostaríamo­s também de reconhecer a contribuiç­ão essencial da sociedade civil para o processo. Permanecem­os empenhados em fazer o nosso melhor para alcançar o objetivo mais elevado de um mundo livre de armas nucleares. Nossos seis países conclamam toda a comunidade internacio­nal a se juntar a nós nesse esforço crucial para a sobrevivên­cia da humanidade.

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