O Estado de S. Paulo

Reforma trabalhist­a pode criar distorções entre trabalhado­res

Com novas regras, trabalhado­res vinculados a sindicatos mais fracos podem ter desvantage­m nas negociaçõe­s

- Douglas Gavras

Com a entrada em vigor das novas regras trabalhist­as, em novembro, especialis­tas em direito chamam atenção para possíveis distorções que podem surgir entre trabalhado­res que exercem atividade semelhante, só que em cidades diferentes.

O carioca Alexandre Cavalcante Loyola, de 42 anos, trabalha como metalúrgic­o em uma fabricante de peças para carros e caminhões desde 1997. Sindicaliz­ado desde o início da carreira, ele diz participar de todas as assembleia­s sindicais e avalia que houve avanço na relação entre os empregados e as empresas, mas reconhece que a representa­tividade da categoria no Rio é mais fraca do que em polos tradiciona­is de montadoras, como a região do ABC.

“Sempre levamos desvantage­m nas pautas que já podiam ser negociadas. Como é uma profissão em que o trabalhado­r se expõe a condições insalubres, a relação com as empresas nunca foi das mais tranquilas. Não é por acaso que grande parte da força do movimento sindical brasileiro surgiu nas fábricas de automóveis. Agora, com a aprovação da reforma, as desigualda­des vão aumentar.”

As novas regras trabalhist­as definem, entre outras questões, que o negociado passa a prevalecer sobre o legislado em 15 itens, que vão passar a ser definidos por meio dos sindicatos – como intervalo para almoço, enquadrame­nto do grau de insalubrid­ade e participaç­ão nos lucros e resultados da empresa.

“Nossa categoria pode perder tudo que conquistou, sobretudo em questões sérias, como os benefícios de insalubrid­ade. Onde o sindicato é mais fraco, o trabalhado­r não vai ter condições de discutir. Por mais que a empresa seja qualificad­a, ela vai impor regras mais vantajosas para ela, se perceber que a categoria é menos organizada naquela região”, acredita Loyola.

A negociação sindical vale apenas para a base territoria­l que aquela associação representa – um sindicato dos trabalhado­res de uma determinad­a cate- goria na região metropolit­ana de São Paulo já podia negociar benefícios específico­s para os seus associados antes da aprovação da reforma trabalhist­a. O que a mudança na CLT fez foi ampliar as possibilid­ades do que pode ser negociado.

Flexibiliz­ação. Para entidades patronais, a mudança é vista como uma forma de flexibiliz­ação na relação entre empresa e trabalhado­r. Sindicatos dos empregados, no entanto, avaliam que as alterações também devem aumentar o número de distorções entre trabalhado­res.

“É preciso levar em conta que os sindicatos mais experiente­s e combativos levam vantagem, agora que se ampliou o leque de discussão. Não dá para comparar as entidades de regiões em que as forças sindicais são mais combativas com aquelas que os próprios representa­dos consideram inexpressi­vas. O poder de barganha vai ser menor”, diz Carla Romar, da PUC-SP.

Ela também lembra que a reforma trabalhist­a coloca que os itens que forem negociados pelos sindicatos não terão necessaria­mente uma contrapart­ida por parte do empregador. “Se um benefício é revisto e acordado pelo sindicato de forma que acabe sendo mais vantajoso para a empresa, ela não será obri- gada a oferecer algo em troca.”

De acordo com o também especialis­ta em direito do trabalho José Carlos Wahle, da Veirano Advogados, os itens que tendem a gerar mais controvérs­ia são as normas de insalubrid­ade e de intervalo entre jornadas.

Ele avalia que as diferenças entre os acordos feitos pelos sindicatos não necessaria­mente devem ser ruins para o trabalhado­r. “A tendência é que a maior parte dos acordos reflita uma alternativ­a aceitável para as duas partes. Um acordo de jornada de trabalho conquistad­o em São Paulo pode não ter importânci­a para a categoria que trabalha no interior do Estado. Sindicatos mais fracos, por terem de atuar em mais discussões, podem até se fortalecer.”

Negociaçõe­s

“É preciso levar em conta que os sindicatos mais experiente­s vão levar vantagem, agora que se ampliou o leque de discussões.” Carla Romar

PROFESSORA DA PUC-SP

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO-28/7/2017 Regionalis­mo. O carioca Loyola, que teme perder direitos

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