O Estado de S. Paulo

Queijo brasileiro vive dia de glória e vexame na Itália

- Débora Pereira

No último fim de semana, represente­i o Brasil no Cheese, evento realizado a cada dois anos no centro histórico de Bra, na Itália, pela Slow Food, que reúne produtores artesanais, curadores, comerciant­es, pastores, instituiçõ­es e pesquisado­res, além de uma multidão de curiosos e amantes de queijos.

A Piazza Roma de Bra acolheu os curadores de queijo de 11 países, entre eles Hervé Mons, da França, que emprestou uma mesa no seu estande para os queijos brasileiro­s. As produtoras Marly Leite, de Araxá, cujos queijos levaram medalhas de superouro e ouro no Concurso Mundial na França, Carolina Vilhena de Bofete (SP), a mãe dela, Marizete Pereira, e eu decoramos a mesa com toalha de chita, bandeira do Brasil, fotos de fabricação. Propusemos associaçõe­s de 18 queijos com outras iguarias do terroir brasileiro, como goiabada e doce de mamão. Foi um sucesso.

No domingo, dia mais cheio, a fama da nossa mesa estava correndo a cidade e a fila de espera para o pão de queijo era longa.

Esse êxito chamou a atenção de guardas “patrimonia­is”, que passaram e filmaram nosso estande. Em seguida, soubemos que a Maison Mons “tinha sido gentilment­e avisada” de que seria notificada se continuáss­emos a vender os queijos brasileiro­s, que eram clandestin­os.

Para evitar constrangi­mento aos franceses que nos acolheram com a maior boa vontade e gentileza e uma multa de dez mil euros, como nos disseram, retiramos os queijos. Marly es- tava inconforma­da. Recolhemos os queijos com um misto de revolta, tristeza e uma vergonha muito grande. Recusamos clientes que estavam esperando, com as devidas explicaçõe­s. “O prazer de estar em uma feira como essa não é só vender o produto, mas ver as pessoas provarem, ouvir o que pensam dos queijos brasileiro­s, conhecer pessoas e provar queijos do mundo inteiro para comparar com os nosso, descobrir que ainda precisamos melhorar textura, casca...”, diz Marly.

Um grupo de importador­es norte-americanos provou o Senzala e outros brasileiro­s, que haviam sido curados por Hervé Mons, em sua cave na França, e manifestou interesse na compra. Pediram para reunirmos queijos de 30 produtores mineiros, para conseguir uma quantidade maior. Não pudemos fazer o negócio.

Na mesa ao lado, queijeiros da marca suíça Jumi, vendiam queijos feitos com maconha, legalizado­s e com nota fiscal. Além dos queijos, eles levaram maconha para decorar o estande. E nós olhando aquilo comprando a legislação de um país e de outro e pensando “Como é que nosso queijo não pode ser vendido?”, conta Marly Leite.

“Estávamos em uma feira em que o Brasil só pode participar clandestin­amente garças a gentileza e boa vontade de um curador francês que acredita no potencial do nosso queijo. Mas apesar de todo sucesso na França e no Brasil, das homenagens do governador de Minas, do reconhecim­ento do Ministro Blairo Maggi, não podemos vendêlo”, comenta Marly.

“É preciso eliminar a farsa de S.I.F, SIE e SIM para os produtos de origem animal e unificar o sistema” Roberto Smeraldi GASTRÔNOMO

“O Estado tem de permitir que o produtor artesanal esteja dentro da lei” Sauro Scarabotta CHEF DO FRICCÒ

“Não quero correr o risco de passar por criminoso” Rodrigo Oliveira, CHEF DO MOCOTÓ, ESQUINA MOCOTÓ E BALAIO

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DÉBORA PEREIRA Em Bra. Stand brasileiro com queijos artesanais na feira do Slow Food na Itália
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