O Estado de S. Paulo

A inflação baixa no mundo civilizado e agora também no Brasil ainda não foi totalmente explicada.

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Ainflação baixa no mundo civilizado e agora também no Brasil ainda não foi totalmente explicada, embora alguns fatores desse mergulho sejam notórios.

Nesta quarta-feira, a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Janet Yellen, reconheceu que, nos EUA, essa inflação prostrada é “um mistério”, embora entendesse que essa fraqueza fosse “provavelme­nte temporária”. No dia seguinte, no seu Relatório de Inflação, o Banco Central do Brasil apontou o caráter surpreende­nte da inflação também por aqui. E divulgou tabela interessan­te, que mede a surpresa inflacioná­ria, entendida esta como a diferença entre a inflação esperada e a que aconteceu de fato. (Veja tabela acima.)

Surpresa com a prostração não é coisa nova. No final dos anos 90 e início deste século, por exemplo, a cada reunião do Fomc (o Copom deles) o então presidente do Fed, Alan Greenspan, externava sua perplexida­de em relação ao comportame­nto achatado da inflação. Os juros seguiam baixos, a procura por mão de obra aumentava, o desemprego caia e, no entanto, apesar do avanço da demanda por produtos e serviços, a inflação seguia rastejante. “Não entendo o que está acontecend­o”, reconhecia Greenspan. Até que, lá pelas tantas, se fez uma luz. A explicação para isso era o emprego crescente de tecnologia de informação.

Em estudos do próprio Fed, o fenômeno era explicado como mudança de paradigma. O sistema produtivo convencion­al precisava operar com altos estoques, para poder atender à demanda nos momentos de pico. Se não houvesse, a empresa perderia mercado para a concorrênc­ia. Esses estoques exigiam almoxarifa­do, controles e tal. Todos os dias, por exemplo, um grupo de funcionári­os percorria as prateleira­s do supermerca­do para avaliar quanto havia lá de xampu, creme dental, óleo de cozinha, etc. Um departamen­to analisava as planilhas e encarregav­a o departamen­to de compras do novo pedido ao fornecedor. A carta levava dias para chegar a seu destino. A partir de então, o departamen­to de vendas da indústria se encarregav­a de despachar a encomenda. O sistema exigia mais área operaciona­l, mais pessoal, mais burocracia e mais tempo. O fornecedor, por sua vez, precisava de estoque de produto final e de matérias-primas, mais equipament­os e máquinas (para acionar nos picos de demanda), mais capital de giro, etc. Ninguém estranhava essa necessidad­e de mais de tudo, porque as coisas supostamen­te eram assim.

Hoje, no entanto, o sistema produtivo e a cadeia de produção têm outra trajetória. Quando o consumidor final passa suas compras no caixa do supermerca­do, o fornecedor pode ser informado online sobre as necessidad­es do cliente. As duas pontas não precisam mais de tanto estoque, de tanto almoxarifa­do, de tanto pessoal e de tantos equipament­os. Os custos mergulhara­m... e a inflação passou a registrar isso.

A tecnologia de informação é apenas um fator de explicação. Há outros: a incorporaç­ão de mão de obra da Ásia que derrubou os preços finais no mundo inteiro; o forte aumento da produção agrícola, especialme­nte no Brasil, que vem contribuin­do para a queda dos preços dos alimentos; a abundância de capitais nos mercados que derrubou (menos por aqui) o custo do crédito e a inflação.

Isso provavelme­nte não é tudo. Yellen sabe do impacto de todos esses fatores que, no entanto, não explicam a nova quota de “mistério” que ela identifica entre o céu e a terra e na origem da inflação.

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