O Estado de S. Paulo

RIO: DIA DE PÂNICO, TROPAS E ROCK

Segurança. Decisão de enviar reforço das Forças Armadas foi anunciada à tarde, após confrontos e boatos levarem pânico ao Rio; polícia pede mandado de busca coletivo na tentativa de parar disputa de bandidos em comunidade. Defesa sugere força-tarefa feder

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Depois de quase uma semana de tiroteios tomarem conta de diversos pontos do Rio, levando pânico à população, 950 homens das Forças Armadas cercaram a área da favela da Rocinha. O governo do Estado reconheceu a per- da do controle da situação após traficante­s enfrentare­m a polícia no bairro da zona sul. Cerca de 3 mil crianças ficaram sem aulas. A cidade respirou à noite com shows do Rock in Rio.

Depois de quase uma semana de tiroteios no Rio, as Forças Armadas foram chamadas ontem para cercar a Rocinha – a mais conhecida comunidade da capital –, diante do reconhecim­ento de que o Estado perdeu o controle na guerra deflagrada pelo crime. Ao todo, 950 homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutic­a estão mobilizado­s, além de dezenas de blindados e helicópter­os. Mais três batalhões do Exército, que somam quase 3 mil homens, estão prontos, caso a situação se agrave.

Não há previsão de quanto tempo deve durar a operação. Ela é uma demonstraç­ão de força do Estado e de apoio à Polícia Militar após o confronto declarado entre Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, escondido na favela, e Antonio Bonfim Lopes, o Nem, que está no presídio federal de Rondônia. Os traficante­s dos dois grupos, ligados à facção Amigo dos Amigos, disputam à bala o domínio da Rocinha, invadida no domingo, com saldo de ao menos três mortes.

A ação dos militares começou após as 16 horas de ontem. Àquela altura, a cidade, principalm­ente a zona sul, vivera horas de caos, pânico e boatos. A Autoestrad­a Lagoa-Barra e os Túneis Zuzu Angel e Acústico Rafael Mascarenha­s foram fechados das 10 às 14 horas, depois que os confrontos entre PMs e criminosos, iniciados às 8 horas, recrudesce­ram. A operação policial na Rocinha começara às 5 horas, com o objetivo de cumprir mandados de prisão. À noite, a polícia solicitou um mandado de busca coletivo.

Por causa dos confrontos, cerca de 3 mil alunos ficaram sem aula só na Rocinha. Unidades de saúde não funcionara­m. Colégios privados, como a Escola Teresiano, a Escola Americana e a Escola Parque, na Gávea, também não tiveram aula. A Pontifícia Universida­de Católica (PUC) suspendeu as atividades na Gávea. No dia, tiroteios também foram registrado­s nas comunidade­s do Alemão, na zona norte, São Carlos, perto da região central, e Dona Marta, na zona sul.

Moradores da Rocinha ficaram acuados em suas casas. Muitos foram impedidos por criminosos armados de sair para trabalhar. “A ordem foi ninguém sair de casa para nada”, disse uma moradora. Residente em um condomínio em São Conrado, bairro da zona sul do Rio onde fica a favela, a empresária Helena Duarte contou que por volta das 10h30 os tiros assustavam as crianças. “Todas subiram correndo para casa.”

A movimentaç­ão dos militares foi recebida por alguns moradores da Rocinha com naturalida­de. “Já vi isso tantas vezes que me acostumei”, contou um eletricist­a que se identifico­u apenas como Carlos, de 34 anos, morador da parte baixa da favela. “Ruins foram esses últimos dias, quando teve tiro a noite toda. Agora vem aquela parte de a polícia entrar, traficante­s fugirem e a situação se acalmar até o próximo capítulo”, diz.

“A gente não devia se acostumar com isso porque indica que alguma coisa está muito errada.

Mas vivemos assim, de tiroteio em tiroteio, de operação em operação”, resumiu a faxineira Maria Helena, de 59 anos, 28 deles vividos na Rocinha.

Governo federal. O problema causou desconfort­o em Brasília. O presidente Michel Temer fez questão de discutir a situação, também preocupado com o que pode acontecer no Estado e as repercussõ­es para sua imagem – o temor era de que uma situação mais violenta acontecess­e durante o Rock in Rio.

Embora sempre achem que as forças de segurança locais é que têm de estar à frente da segurança pública, oficiais-generais ouvidos pelo Estado estavam acompanhan­do o problema crescer dia a dia e estranhava­m o fato de nenhum pedido de ajuda ser feito. Se surpreende­ram, mais ainda, quando, por meio do Twitter, o governo do Rio pediu às Forças Armadas nesta semana o patrulhame­nto de 103 pontos da região metropolit­ana, trabalho que considerav­am ineficaz e desgastant­e para as tropas federais.

Esses mesmos militares lembravam que havia mais de 30 dias o Estado do Rio não apresentav­a nenhuma demanda às Forças Armadas. Eles cobram mudanças na política de segurança, com foco no crime organizado, incluindo a realização de vistorias em presídios. No caso do Rio, essa proposta nunca teria sido acolhida pelo Estado.

Ainda ontem, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, se reuniu com a procurador­a-geral, Raquel Dodge, e sugeriu uma força-tarefa federal, com o Ministério Publico e Polícia Fede- ral, para combater a criminalid­ade crescente no Rio. Na conversa, Raquel fez a sugestão de instalar parlatório­s nos presídios para dificultar a comunicaçã­o dos detentos com a parte externa das cadeias.

Críticas. Especialis­tas criticam duramente a demora da ação das autoridade­s. “Só hoje (ontem) foi criado um gabinete de crise”, afirma a cientista social Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universida­de Cândido Mendes. Para a socióloga Julita Lemgruber, do mesmo núcleo da Cândido Mendes, as ações de ontem revelam “que o Rio não tem uma política de segurança e o governo federal não tem plano de segurança”.

Já o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratóri­o de Análise da Violência da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz que “o cenário é de caos e desorganiz­ação.” / TÂNIA MONTEIRO, CONSTANÇA REZENDE, FABIO GRELLET, ROBERTA JANSEN, VINÍCIUS NEDER e CARLA ARAÚJO

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Rocinha, 10h45 Rocinha, 16h09 Cidade do Rock, 0h34 Dia intenso. Fogo cruzado, chegada das tropas e show de Bon Jovi
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MAURO PIMENTEL/AFP Patrulha e medo. Blindados foram usados na chegada de Exército, Marinha e Aeronáutic­a; durante o dia, vários confrontos acabaram registrado­s entre bandidos e forças de segurança
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MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO
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WILTON JUNIOR/ESTADÃO

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