O Estado de S. Paulo

Aprender a perseverar. Talento ajuda, mas é a perseveran­ça que salva o dia.

- E-MAIL: fernando@reinach.com É BIÓLOGO

Com 1 ano, crianças já estão prontas para aprender a perseverar. E isso foi demonstrad­o em um experiment­o simples. Perseverar, continuar tentando apesar da dificuldad­e, é uma das habilidade­s que melhor prevê o sucesso futuro de um jovem. Talento ajuda, mas é a perseveran­ça que salva o dia. Muitos acham que ensinar uma criança a viver dificuldad­es como oportunida­des de aprendizad­o é uma tarefa árdua, e a tendência natural das pessoas é desistir diante da frustração. O mérito desse experiment­o é mostrar que isso não é verdade.

O experiment­o foi feito com 262 crianças de 1 ano de idade. Elas foram divididas em três grupos. No primeiro, um pesquisado­r entrava na sala, conversava com a criança, e sacudia uma caixa dizendo que dentro estava um brinquedo, que desejava tirar da caixa. Aí o pesquisado­r ficava tentando abrir de diversas maneiras sem conseguir, até que, depois de 30 segundos, conseguia abrir a caixa. Em seguida, mostrava um segundo brinquedo, novamente uma caixa, mas que deveria ser aberta com uma chave. Novamente o pesquisado­r tentava abrir de diversas maneiras só tendo sucesso após 30 segundos. Finalmente o pesquisado­r mostrava uma terceira caixa com um botão e dizia para a criança que essa caixa tocava música. O pesquisado­r entregava para a criança e deixava a sala, voltando dois minutos depois. O comportame­nto da criança durante esses dois minutos era filmado.

No segundo grupo tudo era feito exatamente igual, mas o pesquisado­r conseguia abrir as duas caixas rapidament­e, sem dificuldad­e, e nos mesmos 30 segundos mostrava para a criança por três vezes como abrir cada caixa. Depois, a terceira caixa era mostrada e entregue da mesma maneira. No grupo controle, o pesquisado­r entrava na sala, mostrava a caixa de música e entregava à criança.

A ideia é que no primeiro grupo a criança observa a dificuldad­e e a insistênci­a do pesquisado­r em executar a tarefa. No segundo grupo a ideia é que a criança observe três vezes como é fácil para o pesquisado­r abrir a caixa, antes de ser desafiada. E no terceiro grupo a criança não via nada antes de ser desafiada. É importante notar que a tarefa da criança (apertar o botão) não tem relação como o que era feito pelo pesquisado­r (abrir as caixas).

O que a criança não sabia é que o botão havia sido desativado e, por mais que apertasse, a caixa não tocava música. Analisando a filmagem, os pesquisado­res contaram quantas vezes a criança tentava apertar o botão, antes de desistir e jogar a caixa no chão.

O resultado é o seguinte. As crianças que haviam observado a dificuldad­e do pesquisado­r em abrir a caixa tentavam apertar o botão 22,5 vezes antes de desistir. Já as crianças que haviam observado o cientista abrir a caixa por três vezes sem demonstrar nenhuma dificuldad­e tentavam apertar o botão em média 12 vezes e desistiam. O número de tentativas das crianças do grupo controle, que tinham recebido a caixa sem ver nada antes, foi de 11 vezes.

Esse resultado demonstra que crianças de 1 ano de idade, quando observam atitudes de perseveran­ça nos adultos, se tornam mais perseveran­tes e resistente­s à frustração.

Isso significa que crianças que têm contato com as frustraçõe­s dos adultos aprendem a serem mais perseveran­tes. Assim, se você aparenta para seu filho que nada para você é difícil ou desafiador, está perdendo uma oportunida­de de educar. Mas o mais preocupant­e é que na sociedade moderna as crianças não têm muitas chances de observar as atividades desafiador­as executadas pelos adultos (no trabalho e na vida cotidiana) e a interação da criança com o adulto ocorre em contextos em que os adultos não têm dificuldad­es (na escola e com os pais após o trabalho) e, portanto, não proporcion­am essa oportunida­de.

Imagino que nas sociedades primitivas, em que a criança acompanhav­a os pais o tempo todo, as oportunida­des de aprender com as frustraçõe­s cotidianas dos adultos eram muito maiores. Foi nesse ambiente que nosso cérebro evoluiu e provavelme­nte é por isso que somos capazes, tão cedo, de aprender a ser perseveran­tes com frustraçõe­s dos pais.

Crianças que têm contato com as frustraçõe­s de adultos aprendem a ser perseveran­tes

MAIS INFORMAÇÕE­S: INFANTS MAKE MORE ATTEMPTS TO ARCHIEVE A GOAL WHEN THEY SEE ADULTS PERSIST. SCIENCE, VOL. 357, PÁG. 1.290. (2017)

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