O Estado de S. Paulo

Viés de alta

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS

OBrasil é mesmo um País de muitas surpresas. Apesar do avanço da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara dos Deputados, não se pode dizer que os últimos dias foram de tormenta para o governo. Ao contrário. Nas últimas semanas, o Palácio do Planalto recebeu várias notícias positivas na economia que contrastam com as incertezas políticas e disputas préeleitor­ais entre os aliados do presidente que já ganham espaço maior na agenda de Brasília.

Além de mais um dado de criação de empregos, o cenário positivo foi marcado pelas projeções de inflação e taxa de juros no relatório de inflação do Banco Central. Elas aumentaram a aposta do mercado financeiro de que os juros básico da economia podem cair para um patamar menor do que 7% ao ano ao final do ciclo de corte de juros e não passar de 8% até 2020.

A trajetória bem mais favorável está animando as projeções de recuperaçã­o cíclica da economia, e o BC já sinaliza para um cresciment­o de 0,7% este ano e de 2,2% em 2018. Uma virada e tanto, consideran­do o pessimismo que havia no primeiro semestre.

O viés é de alta para o cresciment­o. Mas é preciso bastante cautela com o otimismo. Mesmo com tantas notícias positivas, o governo ainda tem um ajuste fiscal duro para fazer. Nesta semana, em audiência no Senado, o secretário de Acompanham­ento Econômico, Mansueto Almeida, alertou que, sem a reforma da Previdênci­a, não há como cumprir as regras do Novo Regime Fiscal, que congela a despesa por pelo menos uma década. Mas será que ela ainda sai neste ou no próximo ano?

A depender do que disse o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em entrevista ao Estadão/Broadcast, a janela para aprovação encurtou. Com todas as letras, Maia afir- mou que, mesmo sem a reforma, o ciclo fiscal de 2018 estará resolvido com as receitas decorrente­s de concessões e privatizaç­ões previstas para 2018.

Não é bem assim. Mas o mercado está tão otimista que acredita que, se este governo não fizer essa reforma, o próximo aprovará. Esquecem que, para começar a dar efeito mesmo, só de- pois de dois anos da aprovação.

Muitos ainda acreditam na reforma previdenci­ária ainda neste governo, mas há motivos para dúvidas. Desde o início do ano, o governo vem, sem sucesso, tentando algum acordo para a votação do Refis – o programa de refinancia­mento de dívidas. O imbróglio tem atrapalhan­do votações importante­s no Congresso, e o fato de o programa ainda estar em negociação mostra um governo ainda refém do jogo político do Congresso. Se por um lado venceu votações importante­s, por outro não tem força suficiente para parar uma negociação que não mais interessa ao próprio governo.

A confusão em torno do leilão de quatro usinas hidrelétri­cas da Cemig, que levou a equipe econômica a abrir uma negociação desnecessá­ria com a companhia, é outro exemplo que a maioria do governo no Congresso precisa, a cada semana, ser cuidadosam­ente administra­da e não está garantida.

Há várias notícias positivas na economia, mas os números atuais não permitem baixar a guarda. A grande maio- ria dos economista­s segue acreditand­o que, sem a continuida­de a agenda de reformas, a melhora da economia não se sustentará.

Esta semana, bastou um discurso um pouco mais duro da presidente do Federal Reserve (o banco central americano) para que o risco país dos emergentes aumentasse rapidament­e, interrompe­ndo uma sequência longa de quedas. Há muito o que fazer. É importante que analistas e políticos tenham consciênci­a que a narrativa de descolamen­to da economia da política pode até ser sedutora, mas não se sustenta.

O governo precisará do apoio político. Por fim, não há mais como aceitar um prazo mais longo de déficits primários além daquele em curso, que já é excessivo, pois o governo agora bateu em outra regra de controle, a regra de ouro, que não permite aumento da dívida para financiar despesas correntes. O problema atual é que o aumento da dívida já passou a superar as despesas de investimen­tos. Uma bomba para os próximos anos.

Há várias notícias positivas, mas os números atuais não permitem baixar a guarda

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