Noite de (re)encontros
Em dia de Bon Jovi, música nacional tem tarde vigorosa com Ney, Nação, Alceu, Elba e BaianaSystem
Num dia em que o Rock in Rio teve que ser questionado se alteraria algo da programação por conta da violência no Rio de Janeiro, o festival renovou uma vocação clara: misturar ritmos brasileiros estimulantes (de Ney, Nação, Alceu, Elba e Baiana System) com rock and roll farofa e donos de megassucessos (Bon Jovi, Tears for Fears).
O Rock in Rio não fez alterações por causa dos confrontos na favela da Rocinha. A comunidade fica em São Conrado, zona sul do Rio, rota de quem vai de carro para a Cidade do Rock, na Barra da Tijuca, zona oeste, saindo de bairros como Copacabana, Ipanema e Leblon. É também na zona sul que ficam os hotéis mais conhecidos da cidade, lotados pelo público do festival, e também a maior parte dos imóveis locados para o Rock in Rio pelo site Airbnb. Parte dos artistas também se hospeda por lá.
Nos palcos. A farofa do amor voltou em grande estilo para os palcos do Rock in Rio. Bon Jovi, principal atração da quinta noite do festival, não precisou se esforçar muito para transformar a Cidade do Rock num verdadeiro bailão da saudade. No set, clássicos como Livin’ on a Prayer, Wanted Dead or Alive, You Give Love a Bad Name e It’s My Life. Muitos são os que torcem o nariz para a banda de Jon e companhia. “Cafona e brega. Não acredito que você gosta mesmo disso”, disse um colega na sala de imprensa poucas horas antes de o show começar. Preferências à parte, nenhum outro artista internacional que tenha passado pela Cidade do Rock nos últimos dias tem mais hits do que o Bon Jovi.
O show mais aguardado do dia era, porém, o que Ney Matogrosso e a Nação Zumbi relembraram no Palco Sunset o tempo de Secos e Molhados. Desde sua saída da banda, em 1974,
Ney evitava fazer shows com este repertório, e por causa disso, a apresentação alimentava muitas expectativas.
Era a oportunidade para Ney relembrar as canções clássicas ao lado de uma das grandes bandas nacionais. Em um vídeo exibido no telão, o cantor diz que a ideia de mexer com o repertório dos Secos não partiu dele, e sim da Nação Zumbi.
Ao lado de Jorge Du Peixe, vocalista da banda, Ney iniciou o show cantando Mulher Barriguda. Os problemas dos quais a apresentação iria padecer já foram escancarados aí. Ney e Du Peixe – uma voz aguda, outra
grave – cantaram juntos a maior parte do tempo. Durante todo o show, se anularam vocalmente.
Em Assim Assado, Ney mostrou que mantém seu poder de sedução como showman. Ele não soube, porém, disfarçar certa insegurança como coadjuvante em Um Sonho, da Nação.
O show também recuperou Tem Gente com Fome. Antes de cantar, Du Peixe acompanhou a plateia: “é isso aí, Fora, Temer”. Ney se manteve discreto.
Enquanto Sangue Latino foi executada de maneira apenas correta, Maracatu Atômico levantou o público e estimulou a interação entre Ney e Du Peixe. O que não aconteceu em Fala.
A lembrança de Refazenda valeu mais pela pegada impressa pela banda. Naquele vídeo exibido antes da apresentação, o baterista Pupillo afirmou que eles tentariam fazer um show histórico. Não conseguiram.
Voltando ao Palco Mundo, o Tears for Fears transformou a área em outro baile dos anos 1980. Casais e grupos de amigos cantaram os sucessos do duo de Roland Orzabal e Curt Smith.
“Estamos muito felizes aqui hoje com nossos amigos do Brasil”, disse Orzabal – ele tem origens argentinas. Diante do mar de gente e de celulares ao alto, numa Cidade do Rock com lotação máxima, soou bem sincero.
Um pouco antes, no Palco Mundo, o Alter Bridge mostrou que é um tipo de banda que o Rock in Rio adora. Mas o que o som do grupo tem de virtuoso tem de genérico. Pela boa recepção do público no festival, isso não chega a ser um problema.
Mais cedo, o festival jogou para a torcida, e o Jota Quest teve a plateia na mão. Depois de Dentro de Um Abraço, Flausino pediu ao microfone para que as pessoas se abraçassem, promovendo assim seu próprio “abraçaço” em tempos de ódio.
O destaque da tarde foi o show do BaianaSystem, que é uma experiência. É, sonoramente, o Brasil mais Brasil possível, na atualidade. Diante do contexto de instabilidade política, a banda assume a função de provocar com musicalidades distintas e tão comentadas em um festival como o Rock in Rio – o axé e o rock, o cavaquinho e a guitarra, o eletrônico e o orgânico. “Vamos fazer barulho pelas comunidades do Rio?”, pediu o vocalista Russo Passapusso. Ao fim da apresentação, uma certeza: o BaianaSystem é hoje o show mais potente e relevante do Brasil.
A missão ficou difícil para o trio d’O Grande Encontro (Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo), que tocou logo em seguida, mas eles mostraram que continuam dando liga.
A apresentação teve espaço para a defesa da Amazônia e um grito contra a corrupção e o governo de Michel Temer. “Viva o Brasil e fora, Temer e todos os políticos corruptos!”, bradou Elba, com endosso do público. Foi a primeira artista do festival a gritar “Fora, Temer” ao microfone.