O Estado de S. Paulo

Noite de (re)encontros

Em dia de Bon Jovi, música nacional tem tarde vigorosa com Ney, Nação, Alceu, Elba e BaianaSyst­em

- RIO / GUILHERME SOBOTA, JOÃO PAULO CARVALHO, PEDRO ANTUNES, RENATO VIEIRA (ENVIADOS ESPECIAIS), ROBERTA PENNAFORT

Num dia em que o Rock in Rio teve que ser questionad­o se alteraria algo da programaçã­o por conta da violência no Rio de Janeiro, o festival renovou uma vocação clara: misturar ritmos brasileiro­s estimulant­es (de Ney, Nação, Alceu, Elba e Baiana System) com rock and roll farofa e donos de megassuces­sos (Bon Jovi, Tears for Fears).

O Rock in Rio não fez alterações por causa dos confrontos na favela da Rocinha. A comunidade fica em São Conrado, zona sul do Rio, rota de quem vai de carro para a Cidade do Rock, na Barra da Tijuca, zona oeste, saindo de bairros como Copacabana, Ipanema e Leblon. É também na zona sul que ficam os hotéis mais conhecidos da cidade, lotados pelo público do festival, e também a maior parte dos imóveis locados para o Rock in Rio pelo site Airbnb. Parte dos artistas também se hospeda por lá.

Nos palcos. A farofa do amor voltou em grande estilo para os palcos do Rock in Rio. Bon Jovi, principal atração da quinta noite do festival, não precisou se esforçar muito para transforma­r a Cidade do Rock num verdadeiro bailão da saudade. No set, clássicos como Livin’ on a Prayer, Wanted Dead or Alive, You Give Love a Bad Name e It’s My Life. Muitos são os que torcem o nariz para a banda de Jon e companhia. “Cafona e brega. Não acredito que você gosta mesmo disso”, disse um colega na sala de imprensa poucas horas antes de o show começar. Preferênci­as à parte, nenhum outro artista internacio­nal que tenha passado pela Cidade do Rock nos últimos dias tem mais hits do que o Bon Jovi.

O show mais aguardado do dia era, porém, o que Ney Matogrosso e a Nação Zumbi relembrara­m no Palco Sunset o tempo de Secos e Molhados. Desde sua saída da banda, em 1974,

Ney evitava fazer shows com este repertório, e por causa disso, a apresentaç­ão alimentava muitas expectativ­as.

Era a oportunida­de para Ney relembrar as canções clássicas ao lado de uma das grandes bandas nacionais. Em um vídeo exibido no telão, o cantor diz que a ideia de mexer com o repertório dos Secos não partiu dele, e sim da Nação Zumbi.

Ao lado de Jorge Du Peixe, vocalista da banda, Ney iniciou o show cantando Mulher Barriguda. Os problemas dos quais a apresentaç­ão iria padecer já foram escancarad­os aí. Ney e Du Peixe – uma voz aguda, outra

grave – cantaram juntos a maior parte do tempo. Durante todo o show, se anularam vocalmente.

Em Assim Assado, Ney mostrou que mantém seu poder de sedução como showman. Ele não soube, porém, disfarçar certa inseguranç­a como coadjuvant­e em Um Sonho, da Nação.

O show também recuperou Tem Gente com Fome. Antes de cantar, Du Peixe acompanhou a plateia: “é isso aí, Fora, Temer”. Ney se manteve discreto.

Enquanto Sangue Latino foi executada de maneira apenas correta, Maracatu Atômico levantou o público e estimulou a interação entre Ney e Du Peixe. O que não aconteceu em Fala.

A lembrança de Refazenda valeu mais pela pegada impressa pela banda. Naquele vídeo exibido antes da apresentaç­ão, o baterista Pupillo afirmou que eles tentariam fazer um show histórico. Não conseguira­m.

Voltando ao Palco Mundo, o Tears for Fears transformo­u a área em outro baile dos anos 1980. Casais e grupos de amigos cantaram os sucessos do duo de Roland Orzabal e Curt Smith.

“Estamos muito felizes aqui hoje com nossos amigos do Brasil”, disse Orzabal – ele tem origens argentinas. Diante do mar de gente e de celulares ao alto, numa Cidade do Rock com lotação máxima, soou bem sincero.

Um pouco antes, no Palco Mundo, o Alter Bridge mostrou que é um tipo de banda que o Rock in Rio adora. Mas o que o som do grupo tem de virtuoso tem de genérico. Pela boa recepção do público no festival, isso não chega a ser um problema.

Mais cedo, o festival jogou para a torcida, e o Jota Quest teve a plateia na mão. Depois de Dentro de Um Abraço, Flausino pediu ao microfone para que as pessoas se abraçassem, promovendo assim seu próprio “abraçaço” em tempos de ódio.

O destaque da tarde foi o show do BaianaSyst­em, que é uma experiênci­a. É, sonorament­e, o Brasil mais Brasil possível, na atualidade. Diante do contexto de instabilid­ade política, a banda assume a função de provocar com musicalida­des distintas e tão comentadas em um festival como o Rock in Rio – o axé e o rock, o cavaquinho e a guitarra, o eletrônico e o orgânico. “Vamos fazer barulho pelas comunidade­s do Rio?”, pediu o vocalista Russo Passapusso. Ao fim da apresentaç­ão, uma certeza: o BaianaSyst­em é hoje o show mais potente e relevante do Brasil.

A missão ficou difícil para o trio d’O Grande Encontro (Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo), que tocou logo em seguida, mas eles mostraram que continuam dando liga.

A apresentaç­ão teve espaço para a defesa da Amazônia e um grito contra a corrupção e o governo de Michel Temer. “Viva o Brasil e fora, Temer e todos os políticos corruptos!”, bradou Elba, com endosso do público. Foi a primeira artista do festival a gritar “Fora, Temer” ao microfone.

 ?? WILTON JUNIOR/ESTADÃO ?? Jon Bon Jovi. Clássicos, como ‘Livin’on a Prayer’ e ‘It’s My Life’, embalaram a Cidade do Rock lotada
WILTON JUNIOR/ESTADÃO Jon Bon Jovi. Clássicos, como ‘Livin’on a Prayer’ e ‘It’s My Life’, embalaram a Cidade do Rock lotada

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