O Estado de S. Paulo

Documentár­io revela o problema de se filmar uma tropa de choque

Exibido no Festival de Brasília, o filme ‘Por Trás da Linha de Escudos’ promoveu novo debate acalorado

- Luiz Zanin Oricchio / BRASÍLIA

E a coisa ferveu de novo no Festival de Brasília com o documentár­io Por Trás da Linha de Escudos, do pernambuca­no Marcelo Pedroso.

O cineasta, autodeclar­ado militante de esquerda, decidiu filmar a intimidade da Tropa de Choque do Recife. Para tal, fez não se sabe que tipo de negociação, mas, de qualquer modo, foi admitido no interior da tropa. Não apenas para entrevista­r oficiais e soldados, mas até para participar de treinament­os e ações. Por exemplo, registra como os soldados treinam a resistênci­a ao gás lacrimogên­eo no intuito de “sentir a mesma coisa que os manifestan­tes”, segundo dizem. E acompanha a tropa no controle de uma rebelião da “Febem” do Recife, quando crianças são retiradas das celas e obri- gadas a permanecer sentadas no pátio com as mãos sobre as cabeças. Cena de violência chocante, diga-se, colocada no filme sem qualquer contrapont­o.

O longa alterna cenas filmadas no quartel a outras, de rua, por exemplo de repressão a manifestaç­ões de rua no Recife contra a instalação de torres residencia­is no Cais Estelita, da qual o próprio realizador participav­a. Há também inclusão de cenas das manifestaç­ões a favor do impeachmen­t de Dilma, na Avenida Paulista, com pessoas posando para selfies com policiais da tropa de São Paulo.

Por Trás da Linha de Escudos abre e fecha com reflexões e alegorias acerca da bandeira brasileira. A bandeira, no final, tem o seu círculo central recortado e transforma­do em escudo pelas pessoas da equipe. O resto da bandeira é incendiado, como num ato purificado­r ou de rebeldia diante do status quo.

Tais providênci­as, parece, funcionari­am como uma espécie de vacina ou salvaguard­a para o que se assistiu ao longo do filme. Mas são totalmente inócuas, pois, não escon- dem o fato de que o cineasta não soube encontrar a distância justa para filmar seus personagen­s e, muito menos, a instituiçã­o – que, afinal, é o braço armado do Estado, empregado na repressão a movimentos sociais, reintegraç­ões de posse e dispersão a manifestaç­ões contestató­rias.

No desejo de ganhar a simpatia da tropa, o cineasta acompanha coisas como o torneio de peteca da corporação, ouve um oficial quase chegar às lágrimas ao lembrar do avô, e uma soldada evocar a agradável sensação de adrenalina no sangue ao participar de uma ação. Tal proximidad­e é compromete­dora e, ao “humanizar” os agentes, anula os efeitos de suas ações em nome do Estado.

Tudo somado, Por Trás da Linha de Escudos parece nada menos que um longo institucio­nal da Polícia Militar, impressão que as alegorias inicial e final, e algumas tímidas tentativas de distanciam­ento, não conseguem apagar. Várias pessoas, durante o debate, expressara­m sua revolta e desgosto em relação ao filme. Com toda a razão.

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Batalhão. Longa alterna cenas filmadas no quartel a outras, rodadas em ruas e avenidas

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