O Estado de S. Paulo

50 anos de arte e luta

Museu Lasar Segall ganha uma tela rara de 1915 doada por Celso Lafer

- Antonio Gonçalves Filho

No dia 21 de setembro de 1967, um mês após a morte da escritora e tradutora Jenny Klabin Segall, viúva de Lasar Segall (1889-1957), o museu que leva o nome do pintor abriu suas portas para o público, instalado na antiga residência do casal, na Vila Mariana. Para comemorar os 50 anos de existência da instituiçã­o, seu diretor Jorge Schwartz inaugura neste sábado, 23, uma exposição retrospect­iva que tem como destaque uma tela pintada por Segall aos 26 anos, Praça do Mercado de Meissen (c.1915), óleo (71,5 x 69 cm) doado por Celso Lafer, presidente do conselho do museu.

“É uma obra única dentro da trajetória de Segall”, avalia o diretor do Museu Lasar Segall, comparando-a a um óleo de Monet. “A tela tem algo de impression­ista, ou pós-impression­ista, não parece muito com a pintura que se conhece de Segall, embora não exista dúvida sobre sua autenticid­ade”, conclui Schwartz. Comprada por Lafer num leilão realizado na Suíça, a pintura tem uma irmã gêmea, também com o mesmo título. Ambas foram expostas no ano passado numa retrospect­iva dedicada ao pintor pelo marchand Max Perlingeir­o, na Pinakothek­e.

A Meissen do título, conheci- da por sua porcelana, é uma cidade vizinha a Dresden. Para lá foram enviados os russos moradores de Dresden quando a Alemanha declarou guerra à Rússia, em 1914. Apesar de descrever sua condição como a de “prisioneir­o civil de guerra” em textos autobiográ­ficos, a tela não traduz nenhuma situação trágica. Num harmonioso jogo cromático, ela retrata uma praça de Meissen que Segall e outro pintor de origem russa, Alexander Neroslow (18911971), tão bem conheciam em suas andanças pela cidade.

A doação de Celso Lafer, em memória de seus pais Betty e Jacob Lafer, assume importânci­a ainda maior quando se considera o papel que a Alemanha teve tanto para a formação do jovem pintor como para sua execração pública: em 1937, Segall foi justamente um dos artistas escolhidos pelos nazistas para a histórica exposição de “arte degenerada”, que condenou artistas de vanguarda como Otto Dix e Emil Nolde. Em tempo: além da retrospect­iva que será aberta neste sábado, o Museu Lasar Segall inaugura em novembro outra mostra, 80 Anos de Arte Degenerada, que tem como atração a tela Eternos Caminhante­s, de 1919, destacada no documentár­io Arquitetur­a da Destruição (1989), do cineasta sueco Peter Cohen, que denuncia a perversão estética do Partido Nacional Socialista alemão.

Comprada em 1920 pelo Museu da Cidade de Dresden, dirigido pelo historiado­r de arte Paul Ferdinand Schmidt, essa tela foi confiscada do acervo quando Hitler subiu ao poder na Alemanha, em 1933. Embora fosse obra de um jovem de 30 anos, a tela já traz caracterís­ticas marcantes da linguagem de Segall, entre elas a deformação expression­ista das figuras, aspecto dramático de uma pintura comprometi­da com o humanismo.

Integrando hoje o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) do Ministério da Cultura, o Museu Lasar Segall guarda hoje mais de 3 mil obras do pintor, ou seja, metade de toda a sua produção. A outra metade ficou com a família, que doou muitas pinturas a museus estrangeir­os e brasileiro­s, entre eles o MAC (Museu de Arte Contemporâ­nea). Não restaram obras importante­s de Segall nos museus alemães, segundo Schwartz. Tanto que, revela Schwartz, “eles vivem pedindo empréstimo­s ao Lasar Segall”, administra­do durante 30 anos por um de seus filhos, Maurício Segall, seu primeiro diretor, morto no dia 31 de julho, aos 91 anos.

Maurício será homenagead­o hoje na abertura da retrospect­iva do pai. Ele emprestará seu nome a uma das salas do museu que ajudou a criar com seu irmão Oscar e que formou gerações de intelectua­is em São Paulo, ao abrir sua biblioteca de edições raríssimas (como, por exemplo, o almanaque expression­ista Der Blaue Reiter) com mais de 500 mil itens (livros, periódicos, folhetos, teses, fotos). “Maurício foi pioneiro ao pensar num museu onde a arte-educação sempre foi prioridade”, diz o diretor Jorge Schwartz.

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FOTOS MUSEU LASAR SEGALL O criador. Acima, a tela ‘Praça do Mercado de Meissen’ (c. 1915); ao lado, Lasar Segall com ‘Navio de Emigrantes’ (1939/1941)
 ??  ?? MUSEU LASAR SEGALL: 50 ANOS Museu Lasar Segall. R. Berta, 111; 2159-0400. 4ª a 2ª, 11h/19h. Abertura hoje, às 16h. Até 24/9/2018
MUSEU LASAR SEGALL: 50 ANOS Museu Lasar Segall. R. Berta, 111; 2159-0400. 4ª a 2ª, 11h/19h. Abertura hoje, às 16h. Até 24/9/2018

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