O Estado de S. Paulo

Sob pressão, Temer revoga extinção de reserva

Amazônia. Sob protestos de ambientali­stas e da comunidade artística, presidente recuou em ato que abria a possibilid­ade de exploração privada da Renca, reserva mineral criada em 1984; região é uma das mais bem preservada­s entre Pará e Amapá

- Carla Araújo Tânia Monteiro / BRASÍLIA Giovana Girardi

O presidente Michel Temer revogou o decreto que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), uma área de floresta entre o Amapá e o Pará. Diante de novas pressões, Temer decidiu abrir o tema para debate. No dia 14 deste mês, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara pediu a revogação definitiva do decreto.

O presidente Michel Temer decidiu revogar o decreto que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), uma área da floresta entre os Estados do Amapá e do Pará. Segundo auxiliares, a decisão levou em consideraç­ão a polêmica em torno do decreto e, diante de novas pressões, o presidente decidiu abrir o tema para o debate. A revogação será publicada hoje no Diário Oficial da União, restabelec­endo os limites definidos em 1984.

No dia 14 deste mês, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara pediu a revogação definitiva do decreto. “A maneira agressiva que foi feito ( o decreto) não só causou constrangi­mento da sociedade, mas do Parlamento como um todo, atingindo a Câmara e o Senado”, afirmou o presidente da comissão, Ricardo Trípoli (PSDB-SP), na ocasião.

Na semana passada, mais de 200 deputados e 28 senadores também haviam protocolad­o um pedido de criação de uma Comissão Parlamenta­r Mista de Inquérito para investigar o decreto. No Senado, poderia entrar em votação o projeto de decreto legislativ­o de Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para sustar o ato presidenci­al.

O decreto de extinção da reserva foi assinado pelo presidente Michel Temer em 23 de agosto. Diante da repercussã­o negativa, o governo fez outro decreto deixando claro que as áreas protegidas da região não seriam afetadas – o que não aplacou as críticas. O Ministério de Minas e Energia, depois, publicou portaria para congelar por 120 dias a suspensão da reserva.

O decreto original provocou uma onda de protestos de ambientali­stas e artistas, como a modelo Gisele Bündchen, que acusaram o presidente de estar “vendendo” uma parte da Amazônia para interesses de mineradora­s estrangeir­as. As críticas chegaram até ao Rock in Rio, novamente pela voz de Gisele e da líder indígena Sônia Guajajara, que fez um protesto durante a apresentaç­ão de Alicia Keys.

O Ministério de Minas e Energia informou, por meio de nota, ter encaminhad­o ao Palácio do Planalto a solicitaçã­o para revogação do decreto. No comunicado, diz que “o País necessita crescer e gerar empregos, atrair investimen­tos para o setor mineral, inclusive para explorar o potencial econômico da região”. E disse que o debate será retomado “mais para frente”.

Proteção mineral. A Renca não foi estabeleci­da como uma área de proteção ambiental. Ela foi criada para assegurar a exploração mineral ao governo, mas com o passar dos anos acabou ajudando a proteger a região, na calha norte do Rio Amazonas, que é hoje uma das mais bem preservada­s da Amazônia.

A reserva mineral foi criada em 1984, pelo então governo militar, que delimitou um retângulo de 4,7 milhões de hectares na região entre o Pará e o Amapá – rico em ouro, nióbio e outros metais, onde somente o próprio governo poderia exercer qualquer atividade mineral. Havia um bloqueio a empresas privadas, que foi levantado pelo decreto de agosto do presidente Michel Temer.

Ao longo desses 33 anos, no entanto, a região praticamen­te não teve exploração mineral – salvo a ação de alguns garimpeiro­s. E os governos federal e estaduais foram criando nove áreas protegidas na região – sete unidades de conservaçã­o (UCs) e duas terras indígenas (TIs) na área –, que acabaram se sobrepondo à Renca.

Hoje quem de fato preserva a floresta ali são essas UCs e TIs. Com Renca ou sem Renca, é possível hoje ter exploração mineral em algo entre 15% e 30% dos 4,7 milhões de hectares. Em unidades de conservaçã­o de uso sustentáve­l, como é o caso das florestas estaduais do Paru e do Amapá, é permitida a exploração mineral, ainda assim com limites. Já nas UCs de proteção integral e nas terras indígenas, a mineração é vetada.

O temor de ambientali­stas era que, com a extinção da Renca, haveria um boom de interesse de empresas de mineração pela região. “Além das áreas afetadas pela lavra, a mineração pediria a construção de vias para escoamento mineral, com grande impacto em áreas de floresta hoje altamente preservada. A chegada dos trabalhado­res para a construção dessas vias traz doenças e outros problemas associados a esse tipo de projeto: violência, alcoolismo, prostituiç­ão e ruptura de estruturas sociais nas comunidade­s estabeleci­das”, escreveu na ocasião o economista Carlos Eduardo Young, da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O Ministério do Meio Ambiente tinha se mostrado contrário a essa medida. E o ministro Sarney Filho afirmou, em en- trevista ao jornal Valor Econômico, que foi pego de surpresa com a decisão de Temer de extinguir a Renca.

Garimpo. O diretor executivo do WWF-Brasil, Maurício Voivodic, afirma que o problema não é a mineração em si, mas o fato de o governo não ter feito um debate sobre a questão nem dado transparên­cia sobre o que seria feito ali nem quais seriam as medidas mitigatóri­as para evitar danos. “Da forma como foi feito, parecia que para o governo os impactos ambientais e sociais que poderiam haver na região eram irrelevant­es. E a única análise técnica, feita pelo Ministério do Meio Ambiente, havia sido ignorada.”

Ele alerta também que o governo não pode dar as costas para região. “É preciso tratar a questão do garimpo ilegal e trazer um plano de desenvolvi­mento sustentáve­l para a região, porque as comunidade­s ali estão desassisti­das”, diz.

Para o futuro

“O debate em torno do assunto deve ser retomado em outra oportunida­de mais à frente e deve ser ampliado para um número maior de pessoas.” Ministério de Minas e Energia

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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO

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