O Estado de S. Paulo

A fidelidade ao eleitor

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Sempre que a fidelidade partidária é desrespeit­ada, comete-se uma violência contra a vontade do eleitor, como se a sua escolha na urna tivesse pouca importânci­a.

Um em cada quatro deputados da atual legislatur­a trocou de partido, i nformou o Estado a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desde janeiro de 2015, dos 513 parlamenta­res, 124 mudaram de legenda. E um quarto desse grupo, 31 deputados, trocou de partido mais de uma vez. Há casos de quem, nesses dois anos e nove meses, passou por quatro legendas.

É muita troca para um sistema eleitoral onde os mandatos pertencem aos partidos, e não aos candidatos. Vale lembrar que não são permitidas candidatur­as independen­tes, sem filiação partidária. Ou seja, no Brasil a representa­ção política é sempre feita por meio das legendas. É dessa realidade fundamenta­l que nasce a regra da fidelidade partidá- ria, que deve valer para todas as eleições, tanto as proporcion­ais – como ocorre na escolha de deputados federais, estaduais e distritais e de vereadores – como as majoritári­as, para os cargos de prefeito, governador, senador e presidente da República.

Acertadame­nte, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em 2007 que os mandatos pertencem aos partidos, e não aos candidatos, e, portanto, quem troca de legenda deve perder o cargo. Na decisão, porém, a Suprema Corte reconheceu essa realidade apenas para as eleições proporcion­ais, como se o cerne da questão sobre a fidelidade partidária fosse o método de aferição do resultado da eleição – se por meio do coeficient­e eleitoral, se pelos votos atribuídos a cada candidato.

É claro que, em eleições proporcion­ais, a fidelidade partidária ganha ainda mais importânci­a, pois uma posterior troca de partidos sem a perda de mandato desvirtua completame­nte a representa­ção. Mas também nas eleições majoritári­as, por força do papel da legenda na representa­ção, deve existir a regra da fidelidade partidária. Nesse sentido, era muito oportuna a redação original da Proposta de Emenda Constituci­onal (PEC) 282/2016, que, além de proibir as coligações partidária­s nas eleições proporcion­ais e fixar uma cláusula de desempenho aos partidos políticos, estabeleci­a que também nas eleições majoritári­as a desfiliaçã­o da legenda acarretari­a a perda do mandato.

Tal restrição não foi, no entanto, bem acolhida por boa parte dos deputados e, como reconheceu recentemen­te a relatora da PEC 282/2016, deputada Shéridan (PSDB-RR), a supressão dos artigos relativos à fidelidade partidária é um dos poucos consensos na próxima votação do segundo turno da proposta na Câmara. Perde-se assim uma oportunida­de real de melhorar o sistema eleitoral.

Depois, esses parlamenta­res tão empenhados na defesa da infidelida­de partidária não devem se assustar se os eleitores não se veem representa­dos por eles. Na realidade, sempre que a fidelidade partidária é desrespeit­ada, comete-se uma violência contra a vontade do eleitor, como se a sua escolha na urna tivesse pouca importânci­a. O mínimo compromiss­o de um representa­nte eleito é manter-se no partido pelo qual obteve o cargo.

De acordo com o TSE, desde a decisão do STF em 2007, mais de 400 deputados trocaram de partido. E, desse total, apenas dois deputados perderam o mandato por infidelida­de partidária. Essa quase impunidade é reflexo das medidas que o Congresso aprovou para relaxar a fidelidade partidária. Estabelece­u-se, por exemplo, a possibilid­ade de trocar de legenda, em determinad­os períodos, sem a perda de mandato. São as chamadas janelas partidária­s. Além disso, fixou-se que se pode trocar de partido por “justa causa”. Ao lado de motivos razoáveis, como a discrimina­ção política pessoal ou uma mudança no programa partidário, a legislação incluiu como justa causa o surgimento de um novo partido.

Em palavras de um deputado que trocou quatro vezes de legenda, “se você escolher o partido correto, você já tem 50% de chance de se eleger”. Na verdade, as frouxas regras relativas à fidelidade partidária, em vez de permitir a sobrevivên­cia política dos parlamenta­res, são uma grande cunha entre a população e a vida política do País, a ampliar cada vez mais a grande distância já existente. Tudo o que desprestig­ia os partidos desprestig­ia a representa­ção, desprestig­ia a democracia.

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