O Estado de S. Paulo

A escassez

- Bruno Reis PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA UFMG

De maneira inadvertid­a, em virtude de decisões tomadas pelo Judiciário, o Brasil derivou nos últimos anos rumo à inviabiliz­ação de um mercado privado idôneo de financiame­nto de campanhas. Primeiro, em 2015, o Supremo proibiu a doação por empresas, secando a fonte de 75% da arrecadaçã­o de recursos privados declarada em 2014 (e aumentando o caixa 2 em 2016).

A pá de cal veio neste ano com a decisão do STF, muito grave, de admitir doações legais como prova em processos de corrupção. O que ocorre é que nossa legislação esdrúxula autoriza doações tão vultosas (se você for rico o bastante) que deixou a elite parlamenta­r à mercê de pouquíssim­os, imensos doadores. Mas é um grave erro empregar remédio judicial para matéria regulatóri­a. Criminaliz­ando doações legais, além de expormos todo representa­nte a perseguiçã­o política, tornamos a doação, mesmo legal, perigosa para o doador (quando deveríamos encorajar mais gente a doar) e inviabiliz­amos um mercado privado com doadores idôneos.

Não há alternativ­a a não ser expandir drasticame­nte a provisão de recursos públicos – ou aumentarem­os a influência do crime organizado (propriamen­te dito) no Legislativ­o. Afinal, estes sempre habitaram as franjas do processo eleitoral, e talvez não se importem com um processo por corrupção aqueles que já estão implicados em homicídios. É matemático: a escassez de recursos aumentará a influência de quem permanecer no jogo.

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