O Estado de S. Paulo

Após vitória, Merkel inicia negociaçõe­s por coalizão.

Frauke Petry, líder nacionalis­ta, rejeita assumir mandato no Parlamento após radicaliza­ção do partido; Merkel inicia negociaçõe­s por coalizão

- Andrei Netto ENVIADO ESPECIAL / BERLIM

O partido de extrema direita Alternativ­a para a Alemanha (AfD) entrou em sua primeira crise interna um dia após o sucesso nas urnas. Com 12,6% dos votos, o movimento terá uma bancada 94 deputados – a primeira de um partido nacionalis­ta xenofóbico na Alemanha desde 1945. A co-presidente do movimento, Frauke Petry, anunciou ontem a decisão de não assumir o assento no Parlamento que lhe seria atribuído em razão da radicaliza­ção do partido.

O AfD vive uma tensão interna entre uma ala mais moderada, nacional-liberal, e outra de extrema direita dura, de caráter identitári­o (anti-Islã) e mais radical na luta contra a imigração. Sua decisão foi anunciada em uma entrevista coletiva tensa dos líderes do partido, em Berlim, e represento­u uma fissura na unidade do partido, criado em 2013. “Decidi, após uma reflexão madura, não aceitar o assento no grupo parlamenta­r do AfD”, informou Frauke Petry, que acusa o grupo “identitári­o” do partido de empregar “uma retórica que não é construtiv­a para os eleitores moderados”.

Nas últimas semanas antes do pleito, líderes do partido vinham subindo o tom nos discursos políticos contra a imigração, multiplica­ndo ameaças e, até mesmo, criticando o arrependim­ento dos alemães diante dos crimes do nazismo. O choque interno é mais forte em relação a Alexander Gauland, exmembro da União Democrata-Cristã (CDU), partido da chanceler Angela Merkel e hoje um dos líderes do AfD. Ele questiona, por exemplo, a existência de um monumento aos judeus mor- tos durante o Holocausto construído no centro de Berlim e defende que os alemães devam se orgulhar das conquistas militares da Alemanha na 2.ª Guerra.

No domingo, Gauland atacou a chanceler. “Este novo governo, qualquer que seja, deve se preparar para viver momentos difíceis, pois vamos combatêlo!”, advertiu. “Vamos caçar e combater Angela Merkel e o povo retomará o controle do país.”

Frauke Petry não pode ser chamada de moderada, pois esteve na origem da guinada xenofóbica do partido após sua fundação como movimento anti-União Europeia. Mas para ela o AfD enfrentará um limite em seu cresci- mento ao optar pela via do confronto aberto em um país de cultura política consensual, desperdiça­ndo a oportunida­de de “exercer rapidament­e as responsabi­lidades governamen­tais”.

“O AfD pode até ser bem-sucedido como oposição, mas não pode oferecer aos eleitores uma oferta crível para a tomada do governo”, afirmou Frauke. A decisão foi criticada no interior do partido, mas foi aceita, informou o co-presidente do AfD, Jörg Meuthen, que não escondeu as divisões internas.

Para o cientista político francês Jean-Yves Camus, um dos maiores especialis­tas do continente em extremismo­s de direita na Europa, o AfD vem se radicaliza­ndo, transforma­ndo-se em um partido populista e xenofóbico e deixando em segundo plano sua plataforma nacionalis­ta original. “No início, o AfD privilegia­va a opção soberanist­a e, pouco a pouco, se apropriou do potencial humano das manifestaç­ões anti-imigração iniciadas pelo movimento Pegida em diferentes cidades da Alemanha”, explica Camus, pesquisado­r do Instituto de Relações Internacio­nais e Estratégic­as (Iris). “Desde então, ele tem se radica- lizado sobre questões como imigração, identidade e rejeição ao multicultu­ralismo.”

Enquanto a Alemanha ainda se habitua ao choque do cresciment­o da extrema direita, que quase triplicou seu porcentual em quatro anos, Merkel deu iní- cio ontem às primeiras consultas para a formação da coalizão de governo. Com a recusa do Partido Social-Democrata (SPD) de participar da próxima aliança, a chanceler tem apenas uma alternativ­a se quiser governar com maioria no Bundestag, o Parlamento.

Trata-se de uma coalizão com o Partido Verde (centro-esquerda) e com o Partido Liberal-Democrata (centro-direita), duas agremiaçõe­s com culturas políticas opostas – os liberais são próximos ao empresaria­do. Enquanto o PV defende a prioridade à transição para uma economia sustentáve­l, o FDP privilegia a economia de mercado clássica. Os verdes desejam um novo imposto sobre propriedad­e, enquanto os liberais querem a queda dos impostos. O desafio da chanceler será encontrar o ponto de equilíbrio.

Ontem o líder liberal, Christian Lindner, e os líderes ambientali­stas Katrim Göring-Eckardt e Cem Özdemir concederam entrevista­s coletivas separadame­nte e manifestar­am as condições para uma coalizão. “Vai depender do conteúdo, nada mais”, afirmou Özdemir, referindo-se ao programa de governo que Merkel tentará implementa­r em seu quarto mandato. Questionad­o sobre a dificuldad­e de formação do gabinete, Lindner reconheceu que as dificuldad­es de relações com o PV de fato existem: “Não podemos forçá-los a um governo”.

Radicalism­o

“O AfD vem se tornando um partido populista e xenofóbico” Jean-Yves Camus

CIENTISTA POLÍTICO FRANCÊS

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THORSTEN WAGNER/EFE Futuro. Líder do AfD Frauke Petry; partido em transição

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