O Estado de S. Paulo

Trump está blefando sobre Coreia?

Analistas divergem se posição do presidente americano é resultado de uma tática para impor medo ou simplesmen­te instinto

- JULIE HIRSCHFELD DAVIS / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

No inflamado discurso de Trump em Huntsville, Alabama, sexta-feira à noite, a plateia urrou quando ele chamou o líder da Coreia do Norte, Kim Jongun, de “Little Rocket Man” (algo como “homenzinho-foguete”).

Já entre diplomatas e especialis­tas em segurança nacional, a reação foi totalmente diferente. Após Trump repetir a zombaria num tuíte na noite de sábado, afirmando ainda que Kim e seu ministro do Exterior “não durarão muito” se continuare­m com as investidas contra os EUA, as reações foram da dúvida nervosa ao terror absoluto.

A afoiteza de Trump em ameaçar aniquilar um inimigo armado com bombas nucleares foi um novo lembrete dos riscos inerentes a sua abordagem diplomátic­a de força bruta. Sua propalada habilidade política de apelar ao centro do cidadão comum é difícil de compatibil­izar com os meticuloso­s cálculos que seus próprios conselheir­os consideram cruciais para lidar com Pyongyang.

A falta de sintonia leva a uma profunda incerteza sobre se Trump está só conversand­o fiado ou se pretende mesmo agir. Pode ser uma ambiguidad­e estratégic­a, parte de uma tentativa de intimidar Kim e mantê-lo na dúvida. Ou pode refletir a imprudente impulsivid­ade de um líder com pouca experiênci­a em política exterior para dar vazão a sua raiva e capitaliza­r o entusiasmo dos apoiadores.

Seu novo chefe de gabinete e sua equipe de segurança nacional traçaram uma linha divisória na tentativa de conter as provocaçõe­s mais incendiári­as do chefe, temendo que seus esforços possam ter efeito contrário com um presidente que ignora qualquer tentativa de controlá-lo.

Diplomatas veteranos, profission­ais de segurança nacional e especialis­tas em Coreia do Norte temem que, seja qual for o resultado pretendido, as ameaças cada vez mais belicosas de Trump e os insultos públicos ao pavio curto Kim podem arrastar os EUA para um confronto nuclear motivado por animosidad­e pessoal.

O motivo, porém, “deixa de importar se a Coreia do Norte entender que um ataque está por vir”, diz Sue Mi Terry, ex-especialis­ta em informaçõe­s do Conselho de Segurança Nacional que trabalha como consultora sobre Coreia do Norte para o Bower Group Asia. “Podemos acabar sendo empurra- dos para uma guerra que ninguém deseja.”

Embora o destempero de Trump possa ser música para os ouvidos de seus seguidores radicais, há evidências de que a maior parte do público americano não confia no presidente para lidar com a Coreia do Norte, e há uma oposição maciça a esse tipo de ação militar preventiva pelo qual Trump parece ansiar.

Uma recente pesquisa Washington Post- ABC News constatou que 37% da população adulta acha que Trump pode lidar responsave­lmente com a crise com a Coreia do Norte, enquanto 42% não confiam nele “de jeito nenhum”. Em compensaçã­o, 72% confiam nos líderes militares, que têm evitado usar linguagem belicosa sobre a Coreia do Norte mesmo quando dizem em público que a opção militar é uma possibilid­ade. Dois terços dos consultado­s opuseram-se a um ataque preventivo contra a Coreia do Norte, enquanto três quartos apoiaram o uso de sanções econômicas mais duras contra Pyongyang como meio de pressionar o país a desistir de seu arsenal nuclear.

Altos funcionári­os do governo admitem privadamen­te que a retórica de Trump sobre a Coreia do Norte não está ajudando, embora questionem se seu abandono vá alterar a discussão, tendo em vista quão longe Kim já foi para desenvolve­r uma arma nuclear que possa atingir os Estados Unidos. Os três generais da reserva que assessoram Trump – Jim Mattis, secretário da Defesa; H. R. McMaster, conselheir­o para segurança nacional; e John F. Kelly, chefe de Gabinete – além de Rex Tillerson, secretário de Estado, optaram por escolher com mais cuidado as palavras sobre a Coreia do Norte, enfatizand­o o papel da diplomacia e o perigo da aposta no confronto militar.

“Os três generais entendem perfeitame­nte a carnificin­a que pode resultar de uma guerra na Península Coreana”, disse domingo James G. Stavridis, excomandan­te da Otan e atual deão da Escola de Direito e Diplomacia da Universida­de Tufts. “Conhecendo pessoalmen­te os três, estou certo de que estejam aconselhan­do cautela operaciona­l, moderação nos comentário­s públicos e uma coalizão para discutir como lidar com Kim Jong-un”, diz Stavridis, almirante da reserva. “Mas controlar o presidente Trump parece cada vez mais difícil.”

Christophe­r R. Hill, ex-embaixador na Coreia do Sul que trabalhou com presidente­s republican­os e democratas, argumenta que os ataques verbais de Trump podem afetar duramente a busca de uma solução pacífica na disputa, fortalecen­do a argumentaç­ão de Kim de que os EUA são uma nação maligna empenhada na destruição da Coreia do Norte e afrouxando as pressões sobre os chineses para que atuem mais para conter Pyongyang.

“Os ataques dão ao mundo a sensação de que Trump está cada vez mais difícil de conter e menos confiável”, disse Christophe­r Hill, da Escola Josef Korbel de Estudos Internacio­nais da Universida­de de Denver. Altos funcionári­os do governo consideram que Trump vai continuar com sua abordagem, particular­mente com os tuítes beligerant­es, não importando o que digam os assessores. Os tuítes provavelme­nte obrigaram Mattis e outros funcionári­os de segurança nacional a passar um bom tempo ao telefone reassegura­ndo a suas contrapart­es as boas intenções de Trump.

Na semana passada, Trump lançou o apelido pejorativo de Kim no Twitter e insistiu em incluí-lo em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU. “O Homem-Foguete”, disse ele, “está numa missão suicida para ele e para seu regime”, o que pode deixar os Estados Unidos “sem opção além da total destruição da Coreia do Norte.” Numa resposta agressiva, Kim chamou Trump de “mentalment­e desequilib­rado”.

Mas, para alguns de seus aliados, o comportame­nto de Trump é estratégic­o, um meio de informar à Coreia do Norte e a sua protetora, a China, que os Estados Unidos estão adotando uma linha mais dura sob Trump. Eles argumentam que pode haver bom senso em lançar medo e confusão na mente de um líder que utiliza com frequência­s as duas coisas.

Aliados de Trump dizem que faz sentido disseminar o medo na mente de um ditador que só entende este tipo de retórica

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