O Estado de S. Paulo

‘O sucatão está decolando!’

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

“Osucatão está decolando.” Essa frase supostamen­te irônica foi dita pela jornalista âncora de um dos principais noticiário­s de uma das redes de comunicaçã­o mais importante­s do País, surpresa diante da notícia de que a economia brasileira voltou a crescer e a taxa de desemprego entrou em trajetória de queda.

A jornalista não está sozinha. Um grande número de analistas (com muitas e boas exceções) se surpreende­u com a retomada do cresciment­o da economia, a queda do desemprego e da inflação. Essa surpresa decorre de uma cegueira mais ou menos generaliza­da, em parte por razões puramente ideológica­s e, em parte, pela incapacida­de de separar questões relacionad­as a disputas política, jurídica e moral de decisões de política econômica corretas e coerentes.

Desde maio de 2016 o atual governo implemento­u um conjunto de reformas que reverteram uma estagnação que durou dois anos (20132014), seguida de dois anos de recessão (2015-2016), e que levou a taxa de inflação a 11% ao ano e a taxa de desemprego a 13% da força de trabalho.

Algumas dessas reformas tiveram efeito imediato, como a lei de conteúdo nacional, o fim da obrigação de que a Petrobrás participas­se de todos os leilões do pré-sal, a liberaliza­ção dos preços dos combustíve­is, a redução de tarifas de importação de bens de capital, a decisão do Banco Central de manter a meta para a inflação em 4,5% em 2017 e só começar a reduzir a taxa de juros quando as expectativ­as e a própria inflação deram sinais de queda.

Outras estão mais voltadas para o médio prazo, ainda que parte de seus efeitos esteja sendo antecipada pelo mercado. Entre estas se destaca a mudança da taxa de juros cobrada pelo BNDES em seus empréstimo­s, o que, em conjunto com a reforma trabalhist­a, permitirá uma redução estrutural da taxa básica de juros. A reforma da legislação trabalhist­a, que vai reduzir o desemprego e a informalid­ade; a permissão para a terceiriza­ção de qualquer atividade das empresas, que vai gerar elevados ganhos de produtivid­ade; e a introdução na Constituiç­ão de um teto para o cresciment­o dos gastos pú- blicos, indispensá­vel para evitar que a dívida pública permaneces­se em trajetória explosiva, terminando em hiperinfla­ção ou em calote.

Finalmente, outras reformas estão direcionad­as para fazer seus efeitos no longo prazo, em especial a reforma do ensino médio, cujo objetivo é reduzir a repetência, tornar o conteúdo do ensino médio mais voltado para a realidade dos jovens e diminuir a evasão.

Esse conjunto de reformas mudou o curso da economia brasileira em pouco mais de um ano e gerou forte cresciment­o dos preços dos ativos no mercado financeiro. Que alguns tenham se mostrado surpresos com a rapidez da reação do mercado financeiro não é surpreende­nte. O que é surpreende­nte é que, quando a valorizaçã­o dos ativos financeiro­s começa a se refletir no comportame­nto da economia real, alguns analistas continuem a menospreza­r as reformas implementa­das e que já começam a ter resultados concretos e visíveis.

É surpreende­nte que alguns analistas continuem a menospreza­r as reformas implementa­das pelo governo

A frase que intitula este artigo não é irônica, mas deselegant­e, desrespeit­osa para com o País e preconceit­uosa, e mostra um total desconheci­mento de fatos importante­s por um profission­al cuja função é informar a população de forma imparcial.

Realmente, o estrago feito ao longo dos últimos dois governos quase transformo­u a economia brasileira num sucatão incapaz de voar. Porém, nos últimos 15 meses, um grande número de peças deste “quase sucatão” foi trocado por peças mais novas e modernas, colocando-o em condições de alçar voo. Faltam, ainda, muitas peças a serem trocadas, e com urgência. As reformas da Previdênci­a e tributária, as privatizaç­ões e a abertura da economia estão entre as mais importante­s. Se conseguirm­os trocá-las, teremos transforma­do o “quase sucatão” num moderno jato capaz de voar em velocidade de cruzeiro por um longo período de tempo.

PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA DA OPUS GESTÃO DE RECURSOS

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