O Estado de S. Paulo

Tim, de O Terno, mostra lado sombrio

Vocalista do trio paulistano dá vazão à melancolia em disco solo

- Pedro Antunes

Em nove minutos de conversa ao telefone, Tim Bernardes percebe que a bateria do seu celular está por um fio (o marcador exibia o aviso de que restava 1% de carga). Sozinho no estúdio Canoa, onde gravou Recomeçar, o primeiro álbum solo, o disco no qual ele abriu a porteira para que temáticas dolorosas e pessoais ganhassem vida, ele correu para salvar a entrevista de um fim prematuro. Numa metáfora na qual a vida imita a própria arte, o paulistano quis evitar o pior, buscou alternativ­as (no caso, um carregador para seu telefone celular), mas falhou. Aceitou a derrota e suspirou, antes do fim. “É... É inevitável que acabe, mesmo”, disse, antes do “tu tu tu” que sucede o fim.

Há um desengano por trás do sorriso de moleque de 26 anos exibido por Tim. Algo exposto somente em doses homeopátic­as, como se ele deixasse que esses demônios saíssem quando o coração estivesse cheio demais e não houvesse espaço para mais nada. Cada um dos três discos d’O Terno (trio paulista do qual ele é vo- calista e guitarrist­a) dá pequenas pistas das sombras escondidas pelos conjuntos de canções cada vez mais solares – Melhor do Que Parece, o terceiro deles, do ano passado, propõe a leveza no olhar para a vida de forma tão intensa que quase disfarça o desalento de canções como Volta.

“Inevitável”. “Acabe”. Talvez Tim nem sequer tenha percebido, mas sintetizou, ali, o que é Recomeçar (selo Risco, R$ 25), um álbum solo criado sem que O Terno tenha as atividades interrompi­das ou afetadas – pelo contrário, a banda segue em turnê pelo País, desta vez lançando o vinil do terceiro álbum e com um trio de metais no palco. Recomeçar, o disco, é encarar o fim. É melancólic­a a sensação de saltar no escuro, sem saber o que há ali embaixo, é aterrador estar ali na beira, ver a história que se passou. Mesmo assim, o salto é inevitável. Não é por acaso que o álbum chegue ao fim com a música que dá nome a ele, Recomeçar, como esse ciclo, o alto, o baixo, o início, o fim, o recomeço. “A dor do fim vem para purificar”, canta Tim na última estrofe.

O disco tem todas as 13 faixas assinadas por Tim sozinho, criadas a partir do período longo, iniciado durante as composiçõe­s do segundo disco da banda ( O Terno, de 2014). Também só, ele criou os arranjos de banda, cordas, sopros e harpa. O próprio mixou as canções. Por um período de três meses, ele se colocou em exílio autoimpost­o no estúdio Canoa, apenas na companhia de Gui Jesus Toledo, em outra sala, que se dividia como engenheiro de som, “coaching emocional” e, segundo conta Tim, sabe passar um cafezinho como ninguém.

“Eu já tinha há algum tempo a vontade de fazer esse disco. Na minha cabeça, ele já estava pronto. E, agora, está virando um disco de verdade”, lembra Tim. “Não tinha tempo nem a segurança de seguir com ele como um projeto principal assim.” Foi, ao longo desse tempo, criando os ar- ranjos para adornar as canções e enfeitá-las, a fim de criar um diálogo em comum, com harmonias que se repetissem ao longo do disco. Tudo feito com gravações da voz dele cantando ao celular.

Na solidão do estúdio, nem mesmo o eco lhe fazia companhia. Das 10h às 21h, cinco dias por semana, Tim se fechava na sala do estúdio para gravar. Brian Wilson e seu poderosíss­imo Pet Sounds, criado para o Beach Boys, foi uma inspiração nesse processo tão introspect­ivo. Wilson, contudo, não soube lidar com a introspecç­ão. Para esses momentos, Tim tinha Toledo.

Tim criou o disco para ter começo, meio e fim, como um filme. Uma trajetória iniciada por uma música instrument­al, que apresentar­á os temas a serem ouvidos ao longo das outras 12 faixas. Recomeçar, a música, foi deixada por último para criar a ideia de ciclo. O recomeço, afinal, sempre vem. “Eu tinha, com a banda, músicas claramente sinceras, como Volta, Eu Vou Ter Saudade. Estou lançando esse disco agora porque estava criando coragem.”

Recomeçar não é sobre um só amor vivido, mas, sim, vários. São experiênci­a pelas quais Tim passou nesse período pós-adolescênc­ia, o encanto e o desencanto com a vida adulta. Funciona como o “dark side” de Melhor do Que Parece, opostos como luz e sombra, mesmo que dialoguem na temática. Se no disco d’O Terno existe, na música-título, a visão “copo meio cheio”, em Recomeçar há Tanto Faz, uma canção híbrida de amor e política na qual quem canta aceita do “copo meio vazio”. Não é por acaso que a palavra mais repetida no disco seja “não”. Tim a canta 54 vezes – e não há um “sim” sequer. O que poderia não dizer nada, além de números, traduz o espírito de Recomeçar, porque ele é a ressaca da euforia do terceiro álbum d’O Terno. Tim canta a existência e ela é cíclica.

Depois de uma ligação interrompi­da, há sempre uma nova chamada. Uma hora e 12 minutos depois, Tim já estava com o celular plugado na tomada, entusiasma­do a detalhar seu Recomeçar. “Existe um otimismo ali no fim. Mesmo que tenha músicas tristes e eu goste disso, o álbum termina com o recomeço. A tristeza é como parte da vida, mas queria oferecer um olhar para as coisas de uma maneira boa.”

TIM BERNARDES Auditório Ibirapuera. Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, Parque do Ibirapuera, tel. 3629-1075. 6ª (6/10), às 21h. R$ 20.

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Como Brian Wilson. Tim Bernardes, d’O Terno, passou três meses no estúdio, sozinho, para criar o seu primeiro disco solo

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