O Estado de S. Paulo

‘Paradise City’

- ROBERTA MARTINELLI E-MAIL: ROBERTA.MARTINELLI@ESTADAO.COM

Representa­ntes de gravadoras circulam pelo local, jornalista­s trabalham em equipes grandes e se revezam para publicar mais de cinco críticas por dia, o jornal de cultura é tomado por música, apresentad­ores de TV esperam ansiosos na coxia a saída dos artistas para perguntar como foi o show, celebridad­es de paetês querem ser vistas e fotografad­as, políticos tentam ganhar voto em alas Vips lotadas (mas só pra quem pode), o público gigante chega cedo para garantir um lugar e na saí- da levam um souvenir do evento comprado em uma das mil lojas. Pude reviver o tempo em que isso acontecia – em 2017, numa máquina do tempo chamada Rock in Rio. Muitas vezes, escrevo nessa coluna sobre o enfraqueci­mento das gravadoras, a falta de espaço para música brasileira na grande mídia, a difícil missão de atingir e formar um público, a crítica ou ausência dela na mídia impressa, como e se uma banda consegue chegar ao mainstream hoje, como inventar estratégia­s para vender um produto que não seja o disco, uma vez que disco quase não vende mais e coisas assim como se isso fosse o óbvio do mercado da música em 2017, mas fui ao Rock in Rio em que a indústria gigante é ou tenta mostrar que é forte e ainda temos pessoas sedentas por antigos sucessos.

Foi uma aula de mainstream. Artistas eram levados às pressas, logo após o show, para exibir felicidade na TV, produtoras disputavam a vez na frente dos camarins, o público gritava e pedia mais e mais, marcas por todos os lados – era só escolher qual você queria na sua selfie, celebridad­es globais desfilavam seus looks, credenciai­s e pulseirinh­as, youtubers e influencer­s circulavam, telefones eram vistos por toda parte fotografan­do e filmando tudo para que a gente nunca esqueça que viramos todos a TV que tanto criticávam­os.

No meio de um show, o rapaz entediado quase dormia em pé, quando seu amigo liga o stories, ferramenta do Instagram, e ele grita, pula e comemora – uma imagem vale mais do que mil sentimento­s. E foram muitas imagens...

Esse ambiente ficou ainda mais surreal, na sexta-feira, no dia que explodiu mais um confronto na Rocinha, pois enquanto rádios e jornais falavam sobre uma possível intervençã­o das Forças Armadas (favor não ler isso como algo natural) os tais sedentos fãs se preocupava­m em como chegar lá na nossa Paradise City com grama verde artificial e garotas e garotos bonitos.

Quem me trouxe pra casa, Brasil 2017, foi a banda Baiana System, lembrando logo de cara o que estava acontecend­o lá fora das grades – “vamos fazer barulho por todas as comunidade­s do Rio de Janeiro” e o baixo tremia o chão e o coração e o público se aproximava para entender o que estava acontecend­o. Foi de arrepiar, emocionant­e mesmo.

“Vocês gostam de rock? Vocês gostam de rock?”, perguntou Russo Passapusso antes de descer do palco e, nesse momento, rápido, todo mundo começou a sacar o celular do bolso para registrar tudo, mas ele logo chamou de volta pra vida: “Esquece o celular” e gritou “vamos derrubar essa casa”. Grande!!!

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FILIPE CARTAXO Baiana System. Que show!
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